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Pov Camila


— Eu sou uma acadêmica.

— Você é boa em encher linguiça.

— Isso é… verdade.

— Vem, vou te mostrar o que estou fazendo.

Ela dá meia-volta, o cabelo balançando como fumaça de desenho animado em uma fuga de alta velocidade.

O quarto de Lily e London é igual ao meu. Comprido e estreito, uma única janela na ponta.

Assim como eu, eles não se deram ao trabalho de arrumar um estrado, colocando apenas um palete duplo no chão embaixo da janela, uma bagunça de lençóis e almofadas surradas banhadas pela luz do fim de tarde.

Lily se joga de barriga ali e puxa um engradado transbordando de discos. Enquanto ela vasculha, eu fico enrolando na porta, observando a escrivaninha coberta de tubos de tinta e latas de esprei, a mesa redonda cheia de cristais e velas derretendo.

— Ah, pode entrar — Lily diz por sobre o ombro. — Não repara a bagunça.

É, realmente, uma bagunça, e eu fico arrepiada vendo essas tralhas porque lembro das pilhas de revista e caixas de arquivo.

Mas as paredes são cobertas com moderação por desenhos e polaroides, e eu só preciso desviar de um suéter abandonado e uma lata de carvão para conseguir entrar.

Sobre um pano no centro do piso está uma escultura que vai ganhando forma devagar. Parece a parte de baixo de uma pessoa, quase em tamanho real, composta de vidro moído, peças de computador e um milhão de outros fragmentos.

Fios transbordam por entre as fendas, como se fossem vinhas que a comem de dentro para fora.

— Eu não faço a menor ideia do que isso vai se tornar — Lily diz enquanto rodeio a escultura lentamente. De perto, eu consigo ver os pedaços de osso entranhados e pintados de ouro. — Estou tentando fazer uma instalação para ela se mexer e acender as luzes, mas, tipo, que porra isso quer dizer? Não faço ideia.

— Os detalhes são incríveis — Comento. De perto eu consigo ver todas as peças pequeninas, mas, de longe, parece uma obra elaborada e reluzente de contas delicadas. — É mais do que a soma de suas partes.

Lily estreita os olhos para a escultura.

— Acho que sim. Quer ouvir alguma coisa?

Quase todos os discos dela são velhos e de segunda mão, sem nenhuma organização discernível. É um nível de caos confortável que combina com Lily.

— A coleção era dos meus pais — explica. — Eles iam dar uma de Marie Kondo com todos os vinis alguns anos atrás, mas eu os salvei.

— Eu tenho, tipo, o gosto musical mais sem graça — Falo para ela. — Só escuto podcasts sobre assassinato. Não sei quem é metade dessas pessoas.

— Vamos resolver isso — Lily diz. — O que você está a fim de ouvir? Funk? Punk? Post-punk? Pop punk? Pop? Pop das antigas? Pop moderninho? Pop moderninho das antigas…

Penso em Lauren sentando ao meu lado ontem, falando, animadissima, sobre The Clash e estendo os fones.

Ela ficou muito decepcionada quando eu confessei, sem jeito, que não conhecia a banda.

— Você tem algum punk dos anos 70?

— Aah, sim — Lily diz. Pega um disco e se vira de barriga para cima como um lagarto tomando sol. — Essa é fácil. Você já deve conhecer.

Ela vira a capa, preta e coberta de linhas brancas finas e irregulares.

Tenho a impressão de reconhecer a imagem de alguma camiseta, mas não sei de onde.

A Garota do Metrô- CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora