— Quinta-feira, às 15:00 horas. Pode ser?
— Na quinta-feira tenho dentista. Fica meio chato, entende? Assim... Do nada.
— Claro, Claro! Concordo plenamente. — ela passou mais duas páginas. Os dedos velhos, magros e finos percorreram até o final da prancheta. — Na véspera do feriado?
— Trabalho no feriado. Não posso deixar o pessoal na mão. — o homem arrumou os óculos pendendo na ponta do nariz e tentou espiar a agenda. — Veja aí se não encontra uma data já no mês que vem.
— Mês que vem? Impossível. — ela riu com ironia. — Setembro, amigo. É baixa temporada. — consultou os formulários outra vez. — Mas tenho aqui uma vaga para o fim do dia. Posso marcar, certo?
— É que pensei melhor e não dá tempo. Fica muito em cima da hora pra resolver minhas coisas.
— Mas o senhor abriu protocolo de urgência! Pediu que eu viesse logo, disse que tinha pressa...
— Disse sim, senhora. Achei que ainda ia demorar demais e fiquei agoniado. Inclusive... — ele baixou o tom de voz antes de prosseguir. — A senhora não consegue ver aí quanto tempo levaria no procedimento comum?
— Sem protocolo de urgência este serviço só será disponível daqui há... — ela olhou pra cima, fazendo cálculos invisíveis que só ela conhecia. — Uns quarenta anos, ou mais.
— Tudo isso? — ele arregalou os olhos. — Mas como é possível?
— Não posso entrar em detalhes, meu caro. — também baixou o tom de voz. — Mas minha irmã me garantiu que vai pegar mais leve com as taxas no ano que vem. Sabe como é... Aqui se faz, aqui se paga... E ela cobra! — sorriu zombeteira.
— É sim, é verdade. — ele concordou sem ânimo. — Quarenta anos, você disse?
— Ou mais. — acrescentou erguendo o indicador.
Passou-se um minuto de silêncio.
— O senhor quer pensar melhor?
— É... Vamos ver, não? Deve compensar... Tanta burocracia.
— Sim, claro. Acontece.
— Bem, então o que faço? Quero dizer, agora que não desejo mais seguir com essa abordagem.
— Eu tiro seu nome do protocolo de urgência e o senhor volta para o prazo decadencial comum automaticamente.
— Ótimo, otimo! Onde assino?
— Não assina nada.
Ela estalou os dedos ossudos e a prancheta evaporou. Arrumou a capa sobre o escalpo novamente e murmurou com sua voz gutural de costume:
"Só desça daí e guarde essa porcaria de corda."
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Do Outro Lado do Balcão
RandomUma coleção de textos, crônicas, monólogos, diálogos, poemas, discussões internas e outros, em que pensei enquanto me distraia da realidade graças às vozes que habitam minha mente e que são a minha parte favorita de mim mesma.