Samambaia

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O som do tráfego e bebuns trôpegos na calçada estavam ali como sempre estiveram, mas ainda parecia faltar alguma coisa. Nas outras sacadas, o vislumbre das plantas depois de uma tarde de chuva trouxe a resposta: não deveria haver uma samambaia bem aqui?

Caminhando pelo apartamento surgem os primeiros questionamentos e hipóteses acerca do paradeiro da planta. Bem, paciência.

Conversa vai, conversa vem, vamos juntas ao lugar onde mais cedo ela disse ter colocado o vaso pela última vez.

"Despencou", ela diz encarando o chão da rua, agora vazio. A calçada sempre movimentada não tem o menor vestígio de planta.

Primeiro, a negação. Depois choro, faço cena. Me desabo em lágrimas de fúria, esbravejando sobre culpa como quem tem propriedade no assunto. Mas ela não se desculpa e nem se comove, diz que não teve intenção... Ora, algumas pessoas não sentem remorso por seus erros quando a intenção era boa.

Alguns minutos em silêncio e a epifania me atinge como um soco na consciência.

Há duas semanas eu não regava aquela planta. Só comprei porque queria que outra pessoa soubesse que me importo com o que ela gosta... E ela gosta de samambaias.

Nem notei que tinha desaparecido quando aconteceu, porque assim como o gato de Schrodinger, a mera consciência de que havia uma planta no cômodo ao lado já me bastava, ainda que não a visse.

A planta não era planta, era meu gesto de afeto. Gesto este que despencou de quatro andares por descuido de outra pessoa e não o meu. Eu sabia que a planta morreria em algum momento por desleixo, mas esperava que fosse o meu.

Minha demostração de carinho, uma samambaia insignificante, caiu, murchou, sumiu. Meu amor não teve chance de criar raízes.

Agora preciso de um tempo longe de samambaias.

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⏰ Última atualização: Dec 23, 2023 ⏰

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