Do Outro Lado do Balcão

As vezes eu torço para o despertador não tocar, logo pela manhã, para que assim eu não tenha que sair da cama. Eu fecho os olhos e rezo, desejando que mais cinco minutos sejam o suficiente para compensar uma vida inteira.

Talvez meu azar seja o fato de não ser religiosa o suficiente.

Eu tomo um banho frio, para contrariar a parte de mim que, sonolenta, ainda resmunga infeliz sobre a injustiça de não se ter um milhão de reais na conta bancária. Tento fazer essa parte descer pelo ralo todos os dias, junto com as outras partículas de mim, das quais me desfaço como se não fossem nada. Estranhamente, essa parte permanece como uma mancha, enquanto todo o restante desbota com a espuma do sabão.

O uniforme é horrível, como uma segunda pele, cobrindo a verdadeira. Esse pedaço de pano feio e gasto, já foi usado pelos que vieram antes de mim e vai ser usado por aqueles que vierem depois. Meu chefe não se importa com quem está usando essa camiseta, desde que encontre alguém disposto a usá-la.

Descarte o conteúdo, recicle a embalagem... Qualquer coisa para que se mantenha a produção.

E então, começo a vender o meu tempo, minha força e juventude, por quanto aqueles homens brancos e velhos de toga decidirem que mereço. E estipulam o mínimo, por que se os demais pudessem, nem isso pagariam pelo máximo do que tenho a oferecer. E tantos exigem, cobram e ordenam, porque afinal de contas, estão fazendo o favor de empregar pessoas.

Do outro lado do balcão, eu espero.

Espero minha vida finalmente começar. Espero pelo meu tempo de descanso. Espero pelo fim de semana, mas somente por aqueles em que eu não trabalho.

Do outro lado do balcão, eu torço.

Torço para que meus sonhos ainda estejam lá, quando acabar o meu expediente. Torço para que amanhã seja um dia melhor, ainda que todos os dias sejam iguais. Torço para que eu não esteja aqui no mês que vem.

Do outro lado do balcão, eu respiro fundo e conto até perder a conta..

E então, começo tudo outra vez.