eyes.

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𝖂on’t you stay with me, my darling

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𝖂on’t you stay with me, my darling

Os olhos azuis e bem demarcados por olheiras o encaravam de volta através do espelho. Era óbvio que não havia outro desfecho, mas as vezes Will não tem certeza do que vai encontrar. Existia uma expectativa instintiva e melancólica de que em um dia qualquer, seu reflexo seria permanentemente diferente. Teria mudado por fora assim como se descobriu outro, por dentro.

Mesmo o refúgio mental do riacho não lhe pertencia mais. Quando deitava a cabeça e fechava os olhos, foram raras as ocasiões em que o encontrou lá, depois de tudo que aconteceu. Talvez não merecesse mais ter aquele descanso.

A única diferença visível, no entanto, era a cicatriz que feria sua bochecha, como uma lembrança que estaria ali eternamente, amenizada pela pouca iluminação do quarto.

𝖂hen this house don’t feel like home?

Mudar não era ruim ── talvez até fosse. Mas ele nunca se sentiu tão vivo como quando a escuridão e o calor daquele penhasco o envolveram. Foi o momento em que percebeu algo que nem seu dom foi capaz de mostrá-lo antes com tamanha clareza. Olhos são distrações vulgares daquilo que realmente importa. Mas foi nos olhos de Hannibal, que se viu pela primeira vez.

𝕺h ashes, ashes, dust to dust

Braços o rodearam entorno da cintura, segurando com uma gentileza que assustava. Graham jamais deixaria de sentir aquele arrepio gélido e familiar, ao toque mais simples de Lecter. Era como se cada mínimo gesto dele fosse feito e pensado somente para si.

𝕿he devil’s after both of us

O hálito quente fez cócegas perto de seu pescoço, mas os mirantes azuis seguiram vidrados no espelho. Pôde assistir enquanto o Hannibal inspirava seu cheiro devagar, deixando um beijo sobre sua pele, que lhe fez escapar um suspiro curto.

Os olhos se ergueram até o vidro para encararem os seus, num silêncio que perdurou por alguns segundos tranquilos.

𝕺h, lay my curses out to rest

─── No que está pensando, Will? ── o sussurro do diabo veio ao pé de seu ouvido, repleto de uma curiosidade paciente. Não acha que precisa responder, pois Hannibal sabe muito bem.

Ainda assim, um sorriso fechado se forma em seu rosto marcado, com a conclusão súbita de que seria impossivel fugir, não importava onde se escondesse.

As íris de Hannibal são escuras, com um brilho distinto e cruel, como os de qualquer predador. Elas não lhe parecem hostis, muito menos indiferentes. Na verdade, soam muito como se estivesse se encarando, tal qual Narciso admirou o próprio reflexo à beira de um lago. Não há desconforto nisso. Só uma calmaria inexplicável, porque ele já aceitou.

─── Não sabia que ainda era meu terapeuta, doutor Lecter. ── Will responde, arqueando uma única sobrancelha.

─── Não estou perguntando como seu terapeuta. ── A calmaria de Hannibal é frustante. Significa que ele pode muito bem esperar por uma resposta adequada.

Ele reflete se quer mesmo jogar aquele jogo, e sequer exige muito esforço notar que não. Há muitas coisas que Graham sente agora, sua confusão está muito longe de ofuscar aquela tranquilidade irreal, perguntas flutuando no ar, mas isentas da incerteza e do medo. Essas duas companhias fiéis que estiveram ao seu encalço durante tanto tempo o tinham abandonado.

─── O que isso tudo faz de mim? ── uma pergunta monótona em sua voz baixa, franzindo o cenho. Uma das respostas que Will nunca encontrou, e gostaria de saber se deveria só parar de buscar. ── O que Abigail teria pensado?

𝕸ake a mercy out of me

─── Que você merece essa paz. ── Paz? É isso que sente? A boca vagueia lentamente até sua nuca, o nariz raspando suavemente nos fios escuros. ── É intrínseco da mente humana buscar sentido nas coisas. Para a maioria, não é fácil perdoar a própria natureza sem a crença de que ela pode ser justificada. Você sente que fez a escolha certa?

─── Não acho que exista uma escolha certa. Eu fiz o que queria fazer. ── ele sente Hannibal sorrir, e segura suas mãos para poder se virar, seus olhares se encontrando diretamente. Ele é como o penhasco, tudo aquilo que Will deixou para trás, e tudo que está por vir. ── Não preciso de perdão.

─── Não, Will, não precisa. Contanto que saiba onde está agora, não há porquê se culpar por deixar o passado para trás. Não está traindo a memória de ninguém. ── Os dedos tocam a bochecha, deslizando pelo seu rosto, até os cachos em sua nuca. A respiração terrivelmente tranquila se misturando à sua naquela curta distância rouba seu fôlego. Ele entende, vê e sabe. ── E além disso, você tem à mim.

Aquelas palavras pairam e flutuam vagarosamente no ar, numa promessa quase palpável, concetrizando o quanto necessitam um do outro, e o fato de que isso nunca vai mudar. Eles são a maldição e a ruína um do outro, e é tudo que lhes resta. O riacho não tem motivos para estar lá, afinal de contas.

─── Você não respondeu a minha pergunta. ── Ele umedece os lábios finos com a ponta da língua. Espera algum esclarecimento; uma luz vindo daquele que o banhou em escuridão.

Hannibal se inclina só mais um pouco, precisando do momento para refletir, num esforço para sintetizar aquilo que veio à sua mente. Como poderia descrever alguém tão errado, caótico, perfeito e único como Will Graham?

─── Uma obra-prima. ── Lecter enfim dá seu palpite, quase inaudível. ── Mas não minha ou do Jack, nem de Abigail. Uma obra-prima sua para si mesmo. Está na hora de aceitar o presente.

Graham engole em seco. Sim, está. Novamente, os dois sabem disso. Aceitar. Ele já aceitou diversas coisas, boas ou ruins; tantas que mal era capaz de associar. Talvez possa aceitar isso também.

Há um brilho mais intenso nas íris negras de Hannibal assim que percebe que ganhou. Quando o silêncio se desdobra diante deles, o ex-agente se sente estranhamente acolhido com a pressão leve que Lecter faz em seus cabelos, pouco antes dos lábios dele enfim tocarem os seus.

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