( hannigram ; coletânea de oneshots ) ── onde Will Graham não pode fugir de si mesmo para sempre, e isso implica aceitar Hannibal Lecter como uma parte sua.
!! ── Aviso de temas sensíveis, especialmente angst, acentuados em alguns capítulos. Leia po...
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𝕬s i breathe into our silence
─── Está silencioso hoje. ── Hannibal comenta, e Will automaticamente sabe que não é só uma frase jogada ao vento. Nunca é.
─── Estamos pescando, é assim que funciona. ── Responde, concentrado na linha, anzol invisível no meio da água escura do lago. ── Isso te incomoda?
Estão ambos à beira, com a luz suave daquela manhã beijando os cabelos castanho de Graham com timidez. Ele não sabe bem porquê Hannibal está ali, mas não impediu que ele viesse quando pediu para fazer companhia.
Vê-lo pescando não era uma imagem que poderia imaginar facilmente ── Lecter pendia muito mais para um caçador sanguinário; opinião plausível. Desde que chegaram, o loiro permanecera sentado comportadamente ao seu lado, mas sequer tocou ou olhou para os instrumentos extras de pesca que trouxeram.
𝕿here's a voice that comforts me
Ele não espia, mas percebe o olhar de cima à baixo, o silêncio breve rompido no momento em que Lecter respira fundo. Está estudando terreno. Há um quê de humor no fato de quase poder ouvir as engrenagens se movendo na cabeça dele.
─── Não. É só interessante. ── É o comentário que vem em retorno. ── Eles não imaginam o que está por vir, e você também não. Morrem pela boca, ou te deixam de mãos vazias e seguem a vida. Há um toque de expectativa nisso.
─── Pescar não é tão radical assim. ── Will soa apático. Ele sabe e não sabe onde Hannibal quer chegar, uma mistura comum entre eles. Na maioria das vezes, a simultaneidade equilibrava as coisas, mas também mantinha a possibilidade de uma surpresa irreverente.
𝕴t’s a voice of understanding
─── Você é o pescador. ── Lecter sorri, indiferente, os fios loiros caindo pela testa quando inclina um pouco a cabeça para observar a superfície semi estática da água.
Um peixe belisca a isca. Graham segue esperando, sem pressa. Há algo de reconfortante em estar ali. Não é como o seu riacho, mas é o mais perto de revisitar essa memória que pode chegar.
Ele sempre gostou de pesca. Embora muita gente achasse um passatempo entediante, exigia conhecimento, preparo e a dose correta de perspicácia. Não bastava só jogar o anzol e torcer.
─── É uma questão de paciência e escolher a isca certa. ── Will tenta manter a voz baixa, sem intenção de assustar os animais, e sabe que por algum motivo, Lecter presta atenção. ── Algumas vezes é mais favorável a artificial, mas nem sempre os apetece o suficiente. Iscas vivas se debatem, chamam atenção.
─── Não querem morrer, ── Talvez nem saibam da possibilidade. ── e é justamente isso que atraí os predadores. Quase teatral.
Assim que sente um puxão mais forte na linha, Will a puxa com agilidade, na tentativa de fisgar alguma coisa. O anzol sobe com leveza, vazio. Notando que a isca também se foi, ele suspira, o vapor formando um desenho distorcido à sua frente, logo sumindo no ar.
Está pronto para substituir aquela que se foi, quando a mão de Hannibal toca a sua, mais inclinado para o seu lado, os dedos incrivelmente calorosos para o frio que fazia do lado de fora. Ela não segura, nem o guia. Só se faz presente.
─── Caso demonstrasse interesse, me ensinaria? ── o psiquiatra pergunta, enfim conseguindo reter as iris azuis em si, o que por si só já é o bastante.
𝕴t’s the voice of empathy
Graham sorri, meio divertido. A rotina e os desastres tinham a mania de se atropelarem mutuamente. Desde um jantar, até uma conversa qualquer no consultório. Por trás dos panos, nada ali era normal. Nunca foi. Portanto, se esquecia de que podiam fazer esse tipo de coisa.
Ele não sorria, tampouco se divertia com assíduidade, mesmo antes de tudo. Era como pensar sobre outra vida. A escuridão corrompeu muitos deles. Xícaras quebradas sem mais nem menos no chão da cozinha.
─── Se me permite perguntar, à que se deve essa boa vontade? ── Will arqueia a sobrancelha, mas passa muito longe de se esquivar do toque. ── Não soa como algo que te agrade.
─── Eu te mostrei muito do meu mundo, Will. Partes feias e bonitas. Cada canto escuro. ── o loiro recolhe a mão, mas não se incomoda de manter a pequena proximidade. Só o bastante para espiar de mais perto o que Graham está fazendo. ── Me encantaria aprender mais sobre o seu.
Nada como aquilo. Embora tivessem compartilhado os ingredientes mais íntimos e horríveis que os compunham, não existia espaço para lazer por lazer. Como a maldição de Midas, tudo que tocavam jamais seria o mesmo. E talvez só eles fossem capazes de apreciar resquícios de beleza nos resultados. As vezes, nem isso.
─── Já estamos ambos aqui, não estamos? ── A escolha de palavras não disfarça uma nuance de satisfação. Ele faz um gesto com o queixo na direção onde a outra varinha foi abandonada, na grama. ── Me alcance, vou te mostrar como se coloca a isca.
Uma pausa de seus pensamentos e da própria realidade, e seriam apenas duas pessoas quaisquer pescando juntas, como no seu riacho. Hannibal jamais estaria lá, bem como Graham tinha chances de não voltar à vê-lo nunca. Mas ainda podiam estar aqui, agora.
