Katára - a Filha das Sombras

4 1 0
                                    

Cresci no Vilarejo de Astrikós, em comunhão com os Espíritos e com Selûne. Banhada por Pnevma e pelo Luar, carrego meu nome de batismo, Evlogía, a abençoada, para honrar meu propósito a cada dia que se passa. Conforme crescia, aprendia mais sobre as tradições élficas e as filosofias da Dama Prateada. Seu principal ensinamento era o respeito ao ciclo, pois assim como a Lua muda de fase, tudo está sujeito a mudanças. Todos os Astrikós carregam um nome, que reflete seu propósito e seu destino, dados pela grande mãe Selûne e revelado por Astrikó, a Árvore da Origem. O destino que me foi relevado foi o do caminho da estrela das bênçãos, com o dever de ser a esperança de meu povo, aquela que deve guiar os espíritos e os Selûnitas para um destino melhor, como uma estrela guia.

Em meu nascimento, um momento histórico - (havia muitos ciclos lunares que um Astrikó não nascia) -, no qual a Sýmpan, os Astrikós e os espíritos reverberaram com uma energia pulsante e contagiante, nunca antes vista, num bailar de astros e cânticos místicos ouvidos por todos os cantos da Floresta, minha mãe de carne morrera sob condições misteriosas. Mas ao passo, que eu perdia minha genitora, eu ganhava uma mãe de espírito, Selûne, a Donzela Prateada. Segui seus ensinamentos por toda a minha vida e sempre respeitei as tradições sagradas de Astrikó, ensinadas pelo sacerdote das Estrelas.

Cresci com meu pai, um hábil caçador que me guiou nos caminhos da caça, uma arte sagrada para meu povo. As perdas sempre foram difíceis para mim, mas são parte do Sagrado. Mas assim como experienciei perdas, também experienciei ganhos, quando meu pai se apaixonou e obtive um novo pai.

Mas, conforme crescia, sentia trevas turvando o meu caminho e me desviando de meu propósito, como se mais alguma coisa houvesse sido tomada de mim. A semente da incerteza crescia e se espalhava por meu coração, como vinhas obscuras.

"Deixe as incertezas fluírem

Para encontrar a paz deve encontrar a si

Enfrente as trevas de dentro de si

Basta uma semente de dúvida para que a sombra caia e noite sem Lua renasça

Shar revela suas memórias mais profundas e esquecidas"

E então, Astrikó me revelou uma visão, de uma criança chorando nos reinos da escuridão profunda.

Sob a Noite sem Lua, escura como o vazio que habita o cosmos sem estrelas, uma flor murcha no mausoléu dos esquecidos. Os astros se escondiam na noite escura. Os espíritos rogavam seus prantos dissonantes, despedindo-se do broto que murchava. A escuridão preenchai o ambiente misturando-se à cacofonia da Floresta, que se inundava em melancolia, partindo corações e mentes. A noite escura era arrebatadora, como uma única palavra seguida de um silêncio profundo. A abóbada obscura era irremediável.

Pois, do lado oculto da Lua Cheia que brilha, habita a escuridão profunda, que espreita e cai em perdição. Tomada pelo oblívio, esquecida pelas bênçãos, abraçada pelas maldições e pelas trevas. Em silêncio profundo, os Elfos Astrais não expressavam qualquer emoção. Para que um espírito fosse iluminado, e para que outro caísse na escuridão. Os arrependimentos se espalhavam e misturavam-se às águas sombrias e amargas do lago. O florescimento de uma nova vida. O fenecer de um espírito desafortunado e infeliz. Um novo e reluzente começo, acompanhado de um triste fim

Uma noite de perda. Uma noite de arrependimentos. Uma noite para jamais ser recordada ou mencionada, que caiu em esquecimento. Uma noite para sempre apagada das mentes dos Elfos Astrais, dos Espíritos e da Floresta.

O sacerdote das estrelas balança seu cajado, apontando-o aos céus. Ele roga as palavras proibidas, condenando a pobre alma ao oblívio.

E a noite fria e escura a consome. A Floresta se recolhe. Os espíritos se escondem. Os Elfos Astrais olham insensivelmente para aquela que não consideram irmã, que nem consideram ser.

E o sacerdote continua a rogar sua praga, após encarar o odioso destino daquele espírito deplorável.

E tanto seu destino, quanto seu brilho, obscureciam-se em Astrikó, tornando-se irremediavelmente escuros e sombrios.

As trevas de Shar, a Dama da Perda, descendem do céu obscuro, abraçam-na e amaldiçoam-na. Aquela que há de vagar pelos reinos da perdição, sem propósito. Aquela que há de perder-se nos abismos mais profundos. Aquela que há de se perder na noite escura e eterna. Aquela que há de viver em agonia sem fim, para sempre um mal encarnado. Um espírito repulsivo, detestável e abominável, condenada por seu próprio nascimento, perdida e sem propósito, seu próprio nome e existência são amaldiçoados: Katára!

E ao mesmo momento nascia aquela que fora iluminada pelo Luar, cuja gêmea, manchada pela Noite Escura, fora esquecida, em breu e oblívio profundos.

Ao dar por mim, eu estava em prantos à frente de Astrikó. Aquilo simplesmente não podia ser real. Tinha de ser uma ilusão de Shar! Uma provação! Um truque! Mas parte de mim sabia a verdade. Comecei a sentir um vazio em minha alma, que não sabia que existia, como se algo me faltasse. Como se algo tivesse sido tirado de mim, e finalmente passasse a fazer sentido. Eu podia sentir a dor e a agonia de Katára, afundada na perdição e nas sombras de Shar.

A semente da dúvida se alastrava em mim.

Então, quando retornei à vila, encontrei o marido de meu pai em prantos sob o corpo de meu genitor sem vida. Mais uma coisa fora tirada de mim.

O sacerdote realizou o funeral. Tomada pelo ressentimento, eu lhe confrontei, no meio da cerimônia, sobre minha gêmea desaparecida. Não quis acreditar, mas parte de mim já sabia. Suas expressões de desprezo revelaram tudo. Como podiam ser tão insensíveis por uma irmã? A minha irmã! Mas, alguns pareciam realmente não ter memórias sobre aquele dia. Mas meu segundo pai, assim como o Sacerdote, parecia saber de tudo.

Mas... como puderam mentir para mim? Como puderam... Com tanto medo das sombras, eles se tornaram ainda piores e cruéis.

Aqueles que eu mais amava quebraram-me a confiança. E junto, tudo o que me sustentava desmoronou e foi varrido ao vento.

Tomada por aflição, pelo meu pai que partia, sem saber que quem estava ao seu lado e por quem se apaixonara havia lhe tirado a filha.

Minha mãe realmente morrera de causas naturais? Onde estava minha irmã durante esse tempo todo? O que causara a morte de meu pai? Eu era tomada por dúvidas e incertezas.

Não me restava nada além de minha irmã gêmea. Pela primeira vez, saí da floresta para o mundo incerto, decidida a encontrar minha irmã. Eu não sabia onde ou quando, mas jurei fazer de tudo para lhe encontrar. Eu podia sentir sua dor, e sua agonia. Eu me culpava por minha ignorância e por ter-me esquecido dela. Eu jurei salvá-la das sombras de Shar.

Mas era cada vez mais difícil enxergar estrelas no céu. Sempre guiei, mas quem há de me guiar? Às vezes, achava que era tudo fruto da minha imaginação, que Katára na verdade era uma parte de mim. Eu não enxergava mais estrelas, perdia-me de meu propósito, mas devo seguir firme para encontrar minha irmã. Para honrar meu nome... Para honrar Selûne... Para honrar meu propósito... Para honrar meus pais... Para encontrar Katára...

"Eu guio tantas almas, mas quem é que me guia quando estou perdida? As trevas de Shar me consomem. A incerteza... A dúvida... Que caminho devo seguir quando não houver mais estrelas para me guiar? Rogo às monções do vento para que me mostrem sua voz, mas não ouço resposta. Selûne , tua filha implora por sua orientação. O medo de não mais me reconhecer me domina a cada dia que se passa. As sombras preenchem meu coração e temo que minha alma caia nas profundezas do abismo. Talvez ela já tenha caído... Assim como a Lua Nova acompanha a Lua Cheia... eu sinto dentro algo que temo não poder controlar. Por favor, ó grande mãe, atenda o chamado de uma seguidora que teme se perder de seu caminho. Atenda o chamado de uma filha que clama por sua mãe."

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 04, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Evlogía - A Bênção das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora