Mãe, quando voltar pode me trazer um guarda chuva novo?
Quando você me deu aquele guarda chuva era um dia ensolarado, as nuvens estavam bonitas e eu não compreendi o porquê de entre milhares de pessoas eu ganharia aquele guarda chuva se não estava chovendo, ainda mais um guarda chuva quebrado... cheio de furos. Mas quando olhei para trás você já tinha partido, corria, fugia silenciosamente enquanto por segundos eu não lembrava mais como era seu rosto antes de partir ou seu toque quando o entregou em minhas mãos, eu não conseguia mais me lembrar de como era sua voz. Então te esperei, pois se me deu aquele guarda chuva algo de importante seria. Tinha um homem parado ali, ele era distante, não olhava-me, sua atenção estava longe de me alcançar e sentir um vento forte e frio me cobrir, balançando meu guarda chuva e talvez pensei que ele pudesse me ajudar, mas ele nunca me olharia, seus planos estavam á milhas de mim e com a força do vento no meu guarda chuva o segurei firme para que não o levasse de mim, mesmo me sentindo desprotegida o segurei. Sentir corpos se aproximarem e me abraçarem. Uns mais fracos e outros mais fortes e em um estante o calor me aqueceu e o vento daquele homem já não me preocupava, sentia-me bem pois aquelas pessoas se preocupavam em me proteger. Depois de um tempo sussurravam que eu não precisaria mais daquele guarda chuva, que não iria chover, que sempre estará sol, que sempre os seus grandes braços me esquentariam. Os sussurros começaram a ficar mais alto, ecoando pela minha cabeça, dizendo que você nunca mais voltaria para pega-lo, me perguntava então o porque daquele guarda chuva se não precisarei dele? Com raiva, o deixei cair. Tentei me aconchegar nas vozes e no calor que me proporcionavam e percebi que não estava mais aconchegante, o calor estava esfriando e me agarrei mais e mais tentando achar um consolo, porque me sufocavam? suas mãos estavam ficando frias e geladas. Aquele homem se aproximou e com ele um vento mais forte soprou e o céu antes ensolarado escureceu, as nuvens desapareceram e sentir uma gota de água cair em meus pés, junto com os meus sonhos e as pessoas que me protegeram indo embora com o sol. Apenas uma mão ficou ao meu lado me segurando sem nenhuma palavra ou toque dito, me enviando amor paterno sem me machucar, mesmo sendo ele a tempestade do homem que era a minha. E como esperado começou a chover e diante da chuva uma mulher jovem e cheia de vida correu até mim sorrindo e me deu seu guarda chuva sem nada em troca e assim aceitei, substituindo ao meu caído, queria tanto que fosse ele mas estava muito grata em ter que receber um na hora certa. Eu vir lentamente aquele homem sugar todo o encanto dela, me doeu ver seu sorriso ir embora dolorosamente, eu queria ter feito algo para que aquela tempestade que ele trazia não á molhasse por inteira, mas só tinha apenas um guarda chuva e mesmo assim ela não se preocupou em ter que me dar o seu. Eu tive que assistir ele se quebrar, se rasgar em minhas mãos, vir furos por toda parte e a chuva me olhar lentamente, o guarda chuva dela não me protegia mais e sem nem perceber ela tinha se tornado uma parte da tempestade, queria dizer que ainda estava grata mas o frio me inundava, não conseguia mais diferenciar minhas lágrimas da chuva, então fechei os olhos e desistir depois de tantos guardas chuvas quebrados, nunca sobreviveriam aquela tempestade, eu me deixei molhar. Então entendi o porquê do seu guarda chuva... eu chorei ainda mais pela sua covardia, eu percebi que você já sabia que iria chover, sabia da tempestade que aquele homem faria, ele não te amava, não me amava e mesmo assim deixou seu guarda chuva totalmente quebrado comigo, me deixou aqui sabendo que ele poderia me machucar igual como fez com você. Esse foi seu pior erro; não ter me levado. Ter me deixado descobrir sozinha que os dois me destruíram e não é minha culpa não confiar em ninguém, em acreditar que sempre será eu no fim de tudo, porque foi você que me ensinou no silêncio que ninguém ficará por baixo desta tempestade por muito tempo ao meu lado.
Eu queria dizer mamãe, que não precisa trazer outro guarda chuva porque mesmo que eu tentasse entender todas as suas razões, me acostumei a me molhar e ele nem me assusta mais. Porque eu sou a minha própria tempestade, eu não precisarei fugir dela.
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Palavras não ditas
PuisiPalavras escondidas por nós enrolados na garganta, que antes já doía e agora não me deixa falar.