Definhando

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A cada dia que se passava o paranaense se acostumava cada vez mais com as necessidades básicas do outro, algo que antes o incomodava, passou a ser uma preocupação, ele até ficava feliz quando dizia "não quer comer alguma coisa?" e era respondido com uma cara de surpresa e um "acho que sim". Naná também era invocada de tempos em tempos para ajudar a dupla a conseguir alguns itens necessários, Paraná estava realmente aprendendo como era estar vivo, na verdade, reaprendendo, e isso estava fazendo bem para o espectro, desde que saíram da gruta, cada dia mais, ele ganhava um pouco de cor, sem ser o verde espectral habitual, já não era tão raro poder notar o tom acastanhado dos cabelos dele, inclusive, ele mesmo ficou surpreso quando viu o próprio reflexo.

- Nunca tinha visto a cor do teu cabelo, guri – Rio Grande do Sul se ajeitava para descansar, eles tinham andando muito aquele dia.

- Ué, como assim? – Paraná flutuava próximo do chão.

- Olha aqui – Ele foi até a trouxa que tinha feito e tirou um dos cacos do espelho da amiga, segurou o objeto perfeitamente em frente ao espectro.

- Meu Deus! – Paraná levou a mão fantasmagórica até o cabelo, ao menos ele podia se tocar, ele mexeu um pouco nas mechas, para ter certeza que estava vendo isso mesmo. Não era um tom absurdamente forte, mas já era algo, uma informação do passado, então ele tinha cabelo castanho quando estava vivo.

As coisas entre os dois pareciam até estar mais pacíficas, claro, era de se esperar que depois de vários dias sendo obrigados a ficarem juntos, naturalmente, a convivência melhoraria, afinal os dois nunca tinham passado tanto tempo juntos, ao menos, não sem a presença da amiga. Paraná parou para pontuar essas informações, a verdade é que talvez aquilo fosse um pouco, estranho? Ele e Santa Catarina se encontrarem sempre era uma coisa, os dois já estavam mortos, eram almas penadas, mas, Rio Grande do Sul estava vivo, ele eventualmente tinha uma noite no mês que se transformava em um lobisomem? Sim, mas ainda assim não seria preferível passar a maior parte do tempo com os vivos? O espectro nunca tinha parado para indagar isso, mas agora, parecia um pensamento óbvio demais para ser ignorado, só que mesmo que a convivência deles realmente tivesse melhorado, o paranaense até arriscaria dizer que era agradável estar na presença do loiro, ele ainda não tentaria fazer esse tipo de pergunta, ao menos, não agora. De toda forma, naquele momento, ele tinha maiores preocupações, já era o segundo dia em que eles estavam tentando de toda forma rodear uma grande área urbana, e ainda assim, parecia que não teria escapatória, eles teriam que passar pelo meio daquela cidade, talvez mais de uma, mas isso não tinha como acontecer, Paraná não tinha a menor ideia de como fariam aquilo, afinal, ele mesmo nunca esteve tão visível, não tinha a menor chance de entrar e não ser visto.

- Guri, não vai ter jeito.

- Vai sim, não é possível que essa cidade seja tão grande.

- Eu to achando que é possível sim – A verdade é que Rio Grande do Sul já estava ficando irritado em tentar dar aquela volta, eles podiam simplesmente passar por dentro – É só você ir escondido.

- Rio Grande do Sul! Não tem como – Ele parou de flutuar e virou na direção do outro, o paranaense apontava o próprio corpo, como quem queria enfatizar o motivo de não poderem.

- E se a gente for por umas ruas pouco movimentadas?

- Sul a chance de isso dar errado é gigantesca, e quem vai se foder vai ser você, eu posso simplesmente sair flutuando pra qualquer lugar, não tem como me prender.

- Não é tão fácil assim me prender – Ele arqueou as sobrancelhas.

- Mesmo assim não vale a pena o risco.

- Ta preocupado comigo, guri?

- Eu... – Paraná olhou para baixo antes de encarar os outros nos olhos – Eu preciso de alguém pra carregar o espelho!

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