Paralisia

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- Há quanto tempo boneca!

- Cê é um bosta! – São Paulo encarava de queixo erguido a criatura que se apoiava no peito do gaúcho.

Paraná estava genuinamente confuso, o paulista parecia muito irritado com o homem em miniatura, esse tinha longos dreads descoloridos que chegavam a altura do ombro, pele morena e uma roupa esfarrapada totalmente branca, esse ser, no mínimo estranho, estava literalmente sentado no peito do loiro, esse por sua vez parecia completamente incapaz de fazer alguma coisa, e só movia os olhos de forma assustada.

- Sul, ta tudo bem? – O espectro se aproximou, porém, tentando não ser hostil, apesar do clima claramente entregar que ele não sabia tudo que estava acontecendo ali, não tinha certeza se aquela pessoinha poderia machucar o gaúcho.

Rio Grande do Sul tentou dizer alguma coisa, mas a boca não queria obedecer, a língua não se movia como ele queria e as palavras não se formavam, só conseguiu ouvir sons que não faziam sentido algum saindo da boca.

- Fica de boa, ele ta bem – O pequeno homem moreno apenas olhou de canto na direção do espectro.

- Saí de cima dele, Rio! Deixa o mano em paz! – São Paulo se aproximou ameaçando segurar o outro.

- Ta bom, ta bom...

E diante dos olhos deles, como se nunca estivesse estado ali, Rio de Janeiro desapareceu. Rio Grande do Sul sentiu todos os movimentos voltarem imediatamente, o corpo voltou a obedecer seus comandos, a voz saiu da boca, a sensação horrível de paralisia abandonou o corpo.

- Inferno! – Ele ofegava ainda tentando entender o que havia acontecido consigo – Que desgraça foi essa?

- Rio de Janeiro, pode aparecer – São Paulo encarava apático os arredores, ele conseguiu ver de canto de olho o espectro se aproximar do outro homem, parecendo preocupado, o paulista mal teve tempo de fazer uma cara de desdém antes de ouvir.

- No seu gorro boneca...

Somente quando as palavras saíram ele conseguiu sentir o peso na roupa.

- SAÍ FORA! – Ele levou as mãos para trás e começou a mover loucamente os braços tentando alcançar quem estava dentro do capuz da blusa.

Rio Grande do Sul e Paraná estavam meio atordoados ainda, o primeiro principalmente, quando um pequeno homem pareceu sentado em uma prateleira livre.

- Pronto, pronto – Rio de Janeiro levantou as mãos em sinal de rendição.

- O que é que ta acontecendo aqui? – Paraná estava começando a não conseguir mais parecer tão amigável.

O carioca chegou a abrir a boca para falar, porém, a resposta veio da boca do paulista.

- Esse pau no cu aparece toda vez que alguém come demais e vai dormir com o rabo cheio de comida, foi isso que você fez? – Ele tinha o olhar incisivo para o gaúcho.

- Não – Ele parecia meio confuso, na verdade, nem se lembrava direito de ter começado a dormir – Eu... – Rio Grande do Sul conseguiu resgatar a memória – Eu não comi muito, só comi o mais rápido que conseguia pra poder puxar um ronco – Ele olhou na direção do paranaense esperando que dissesse alguma coisa, mas como não falou – Ia ser rapidinho, mas eu não comi muito.

- Comer rápido já configura como gula – Rio de Janeiro pontuou enquanto erguia os ombros com indiferença.

- Seu cu que configura! Só apareceu aqui pra me encher a porra do saco!

- Não fala assim boneca, você não come nem dorme, fica difícil de te achar as vezes.

- Se foder você – O paulista já tinha se arrependido de se envolver naquela situação, ele pisava pesado enquanto ia na direção da porta – Eu vou mostrar o caminho pra sair daqui, se quiser ficar com esse arrombado, dormir, enfim, foda-se, fica, eu to saindo.

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