Desejos Mortos

As brasas do santo dentro de você

Grátis/Sala/Sofá/Revelação

Era estranho não ver Lydia por perto, refletiu Daryl. Ele certamente não sentia falta do rosto pálido e macabro e do cabelo longo e pegajoso, mas, como muitos mortos, ele se acostumou com ela aparecendo aqui e ali regularmente. Ele não a via desde aquele dia em que voltou de Savannah de forma muito imprudente na tentativa de fugir de Rick Grimes e da parte de Rick que esteve pressionando suas costas durante toda a maldita jornada.

Ele também não via Rick desde aquele dia. Assim que voltaram a Atlanta, Grimes fugiu como um gato escaldado, e Daryl não acreditou que isso se devesse apenas à descoberta do caso – a descoberta que Connie havia inspirado. Ele não podia julgar Rick por isso - Daryl voltou direto para Savannah no dia seguinte e se escondeu lá pelas duas semanas seguintes, ficando no quarto de hóspedes de Connie e dizendo a ela que havia um monte de merda acontecendo que ele não queria estar por perto. Ele tentou dizer a si mesmo que era apenas o caso que estava fodendo sua cabeça, mas ele sabia muito bem que havia fugido porque de repente ficou aterrorizado. De qualquer forma, Connie sabia que não devia pedir muito. Daryl imaginou que ela não precisava, de qualquer maneira.

Ele não contatou Rick e não visitou Merle. E se isso fazia dele um mau irmão, bem, então isso não dava a ele e a Merle algo mais em comum?

Connie sempre foi a melhor ponte de todos; ele deveria saber que seria com ela que Lydia conseguiria se comunicar adequadamente. Todas as vezes que Lydia murmurou palavras para ele e Rick, moveu a mão para cima e para baixo no rosto, desenhada na sujeira da janela do trailer – ela estava tentando dizer a eles que ele estava usando uma máscara – e nem ele nem Rick tinha descoberto isso.

Pelo que Daryl leu nos jornais e viu na televisão local, os policiais revistaram a casa de Ben Taylor – ou Beta, como ele e Merle o conheciam – e encontraram a faca que foi usada para esfaquear Lydia até a morte. O sangue da pobre menina ainda estava nele; fibras do vestido dela na camiseta amarela que Beta usava quando ele fez isso. Daryl se perguntava, o tempo todo, o quanto Rick tinha tido a ver com tudo isso. Foi ele quem chutou a porta da frente de Beta? Algemar o bastardo malvado? Assobiar em seu ouvido sobre seus direitos? O corpo de Daryl se contraiu só de pensar no aperto na mandíbula de Rick e na fúria fria e escondida dentro dele, caso ele estivesse.

E agora aqui estava Daryl, de volta à sala de visitas suja da prisão, sentado em frente a Merle como se nada disso tivesse acontecido. E ao contrário de muitas de suas visitas anteriores, hoje Daryl estava de frente para seu irmão com o queixo inclinado para cima em autoconfiança, os braços cruzados enquanto olhava do outro lado da mesa para um homem que estava encolhido em sua cadeira, com as unhas roídas. e seu rosto mal barbeado. Daryl passou dias decidindo se iria aparecer ou não hoje, desejando ter deixado a parte cruel de Dixon dentro dele – a parte que não iria desaparecer – vencer. Mas aquela parte estúpida no fundo de seu coração, a parte suave e frágil que o fazia ajudar os mortos ou colocar os filhotes de volta debaixo dos ninhos, ela assumiu o controle, e ele veio até este buraco de merda cinza e agourento para enfrentar seu irmão, que estava mentindo para ele há meses.

Merle olhou para cima quando Daryl se sentou, mas não encontrou seus olhos. Quantas vezes Daryl baixou a cabeça, com medo de olhar para o irmão? Com medo de uma palavra cruel, ou pior, de ser ridicularizado? Agora o cenário havia sido invertido. Agora Daryl era quem estava olhando para seu irmão com seus olhos duros de Dixon.

"Não tenho nada a dizer, hein?" ele zombou, seu coração disparado enquanto ele se defendia na frente de Merle pela primeira vez em sua existência inútil. "Bem, isso não é a primeira vez."

Os olhos de Merle pareciam doloridos, algo que Daryl nunca tinha visto antes. Isso foi um sinal de desculpas naqueles olhos azuis frios e lacrimejantes? Foi culpa ? Ele tentou falar, mas Daryl ergueu a palma da mão para impedi-lo, antes de apontar para Merle.