Oliver Windstad & O Advogado Necromante

A grande família

Próxima estação - Next station: Armênia.

Desembarque pelo lado direito do trem.

Havia abaixado o volume do meu fone para ouvir a voz da minha simpática amiga confirmando o lado do desembarque. Sempre me esquecia, mesmo pegando aquela linha todos os dias. Me direcionei para a porta do lado indicado, apoiando-me nas barras, mesmo que o vagão estivesse praticamente vazio, era um pouco antes do horário de pico.

A velocidade diminuiu, as portas se abriram então pisei na estação, deixando-me levar pelos passos automáticos que surgiam sempre que pisava nela. Desci as escadas pelo lado esquerdo e sai dela.

Minha casa ficava na rua de trás dela. É, morar perto de uma estação de metrô é tão ruim quanto parece, mas você se acostuma com o barulho constante, do metrô, dos bêbados e adolescentes.

Minha casa ficava a frente do bar Terminal Armênia e o dono, o Severino era muito gente boa comigo, sempre dava um alô assim que passava na frente, as vezes Edilene deixava um almoço pago lá para a gente também, quando não tinha tempo dela mesma cozinhar. Ela amava fazer isso.

Ah sim, Edilene é a mulher que me adotou assim que nasci. Tinha seus cinquenta anos de idade, mas mais disposição do que eu mesmo. Uma mulher negra, um pouco acima do peso, com mais cicatrizes invisíveis do que eu podia contar. Ela me enchia de orgulho, por mais que eu não conseguisse expressar isso. Além disso, sempre me senti um peso na vida dela e do Gabriel, mesmo que eles nunca demonstrassem isso.

O Gabriel é meu irmão, bem, pelo menos o considero isso. Ele é o filho de sangue da Edi, cinco anos mais velho que eu e sempre foi um companheiro fiel, além de um ótimo tutor... de muitas coisas que não prestam. Ele não era exatamente o cara mais inteligente, mas era ótimo em matemática e estava estudando para conseguir uma bolsa de engenheiro, além de trabalhar no mercado próximo de casa.

O pai dele, bem, deveria estar a onde a maioria dos pais de famílias brasileiras se escondem. Ele cresceu sem saber nada sobre ele, e hoje em dia pouco deseja saber. Eu acho que isso é um dos motivos dele sempre querer me ensinar algo novo, talvez esteja tentando ser para mim a figura paterna que nunca teve.

Dizia constantemente que nosso dever era dar uma vida melhor para a Edi, e fazer com que ela sentisse orgulho de nós. Lembro do quanto ele chorou quando supostamente fui aceito numa escola particular da Avenida Paulista. Eu e Edilene sempre escondemos dele o fato de eu ser um Magisse. Ela era uma A Despertar, havia descoberto mágica pelo seu incrível dom de cantar, e meu deus como ela canta bem! Por meio disso descobriu a magia, o Somniare e uma sociedade inteira, que lhe rendeu um filho!

Bem, um A Despertar - chamamos assim porque existe uma teoria de que por mais que eles tenham as habilidades de magisses jamais serão um com a magia como um nascido Magisse - podia conviver, trabalhar e fazer parte da nossa sociedade, desde que seguisse as mesmas regras que qualquer nascido Magisse seguisse, a principal delas era: não romper as amarras da realidade, não deixar um rastro que os terrenos pudessem seguir até a existência do Somniare.

E aí estava o problema: O Gabs não era um Magisse, um A Despertar, ele era apenas um Terreno comum. Por mais que eu e ela tentamos despertá-lo desde que entrei para a EMASP, a uns cincos anos, mas nada surtira efeito. Logo, não tínhamos opção se não esconder dele. Então para Gabriel ele tinha um irmão superdotado de inteligência que ia dar uma vida melhor para a família, e isso me machucava por dentro. Trabalhava, ajudava nas despesas da minha escola, pagava meu Spotify e me proibia de pensar em arrumar um emprego antes de terminar o ensino superior porque dizia que eu devia focar apenas nos estudos! E isso me machucava profundamente por dentro, porque por dentro eu sequer sabia em qual dos Caminhos Magisse eu me encaixava. Edi também não se preocupava muito comigo ter uma vida Terrena normal, se sentia orgulhosa demais de me ter na EMASP seguindo a vida de um grande mago.