capítulo 4 - Miller

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  Depois do chá com minha mãe, vou direto para o escritório do meu tio, preciso falar com ele.

- Você precisa dar um jeito nisso! - Digo invadindo sua sala, meu tio tira os olhos de seus documentos e me olha com as sobrancelhas franzidas - Você precisa achar esses rebeldes, e acabar com essas invasões

- Por que eu desperdiçaria o meu tempo e o dos meus soldados com isso? Esses "rebeldes" só querem encher o saco, afinal eles não roubam nem matam - Responde ele despreocupado

- Mas eles invadem sua casa! - Meu tom de voz sobe - E se eles acharem minha mãe ou a Keyse, e se decidem fazer alguma coisa?! - Só de pensar nisso estremeço

- Abaixa esse tom de voz, garoto - Meu tio tira os óculos de leitura e os joga na mesa.Respiro fundo

- Você precisa fazer alguma coisa - repito - Você é o rei

- Que bom que percebeu já que sou o rei, então eu decido, minha decisão é: não vou perder meu tempo com isso! -Diz ele já estressado.

  Bufo. Será que esse cara não percebe que esses rebeldes são um risco para nossa família?

- Agora vamos falar de outra coisa. Onde você estava com a cabeça quando falou daquele jeito com os regentes? - O rei parecia realmente bravo

- Não posso fazer nada se o louco do Malec quer casar a filha de quatorze anos - Digo revirando os olhos

- Falando em casar, já marquei a data do baile- Diz ele

- Que baile ? - Pergunto sem entender do que ele está falando

- Do baile que prometeu aos regentes

- Ah,esse baile. Era só uma distração, não vamos fazer um baile

- Como assim "não vamos fazer um baile"? - Réplica ele aumentando o tom de sua voz - Claro que vamos!Realmente, já está na hora de você casar, quem sabe não cria juízo

- Você não vai me obrigar a casar - Dou de ombros

- Quer pagar pra ver? - Pergunta ele, se pondo de pé

- Você não manda em mim - Retruquei como se fosse uma criança mimada- Você não é meu pai!

- Seu pai está morto!Então eu respondo por ele

  Ele faz questão de a cada instante me lembrar de que não tenho mais pai.Falar do meu pai é meu ponto fraco.
Minha paciência se esvai e dou um tapa na mesa

- Não, não responde. Não em relação a mim! - Grito - E pra que eu me casaria? Acha mesmo que eu sou idiota o suficiente pra achar que um dia vou usar a coroa? Antes do meu pai morrer, ele estava bem, sua vida estava perfeita. Ele tinha uma boa esposa, um filho, uma saúde impecável e o reino estava bem.
"Ele não morreu de causas naturais, ele foi assassinado! Agora me diz, por quê eu me casaria? Para deixar uma viúva? Isso se eu chegar a casar. Você matou meu pai e provavelmente vai me matar também, tudo para continuar mantendo seu luxo!"

  Eu sabia que pagaria caro por cada uma dessas palavras, mas não consegui me segurar, isso estava entalado na minha garganta a anos.

  Não lembro de muita coisa sobre meu pai, afinal, eu só tinha sete anos. Mas lembro de quando saímos na rua e todos os seus súditos batiam palmas para ele. Lembro de quando ele me ensinou a dar nó em minha gravata, e de quando me ensinou a empunhar uma espada (mamãe disse que estava cedo para isso, mas papai me ensinou mesmo assim). Também lembro dos seus últimos dias - na época eu não sabia que eram seus últimos dias -, várias vezes encontrei meu pai sentado no chão dos corredores tentando recuperar o fôlego ou vomitando em algum banheiro.

  Na época, eu não cogitava a ideia de que meu tio poderia ter matado meu pai de alguma forma - creio que envenenado -, sempre achei que ele o amava e que preferia o irmão ao invés da coroa. Entretanto, de alguns anos para cá, a dúvida surgiu em minha cabeça, será que a irmandade é mais importante que o poder? E se ele pudesse voltar no tempo, ele traria meu pai de volta? Será que ele matou meu pai? A cada dia que passa, meu tio demonstra que as respostas para essas perguntas são : não, não, sim.

  Se Lachlan considerasse a irmandade mais importante do que a coroa, ele não faria o que faz comigo , ele se agarraria a única parte que sobrou de seu irmão. E sim, realmente acho que ele matou meu pai, matou meu pai por conta da merda de uma coroa, uma coroa que ele não tocaria enquanto meu pai fosse vivo, uma coroa que ele vai perder se meu coração continuar a bater.

  Cerro os punhos para tentar disfarçar as mãos trêmulas de nervoso.

- Seu insolente! - explode meu tio se levantando e batendo com as duas mãos na mesa - Eu amava meu irmão! E você acha mesmo que ele estava feliz com um filho como você?

  As palavras do meu tio me acertam como um punhal, ele estava certo, porque meu pai ficaria feliz com um filho como eu ?

Meu tio coloca a mão em seu cinto e começa a tirá-lo. Já sei o que vem em seguida, mas não vou abaixar a cabeça.Não mais.

  Depois que meu tio se livra da cinta, ele começa a andar em minha direção. Tento me manter firme no lugar, porém minhas pernas ganham vida própria e começam a andar para trás, até minhas costas encostarem na parede fria

- Vira ! - Ordena meu tio, obedeço
Sem um pingo de delicadeza, ele ergue minha roupa, deixando o meio das minhas costas livre. Fechei os olhos e trinquei a mandíbula.

A cinta estrala, uma dor insuportável percorre minhas costas, nunca vou me acostumar com isso, mordo a língua para não gritar

- Você vai aprender a ficar quieto,a parar de falar o que não deve, a guardar seu achismo para você! - Grita meu tio antes de fazer a cinta estrala novamente. Dessa vez minhas pernas fraquejam, me apoio na parede. Na minha boca, sinto o gosto amargo de sangue.

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