Vislumbre de um passado cruel

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Alguém estava afiando uma lâmina há mais de uma hora.

Aphelios não conseguia dormir e não era por causa do barulho irritante. Simplesmente não conseguia pregar os olhos, não naquela noite. Não quando a lua cheia brilhava no céu. Talvez fosse superstição, coincidência ou algo relacionado ao seu sangue antepassado, mas ele sentia algo chamar seu nome em noites de lua cheia.

E lá estava ele, debruçado sobre o parapeito do convés, encarando o céu noturno com olhos silenciosos. Estava tão acostumado a admirar noites assim da sacada de seu quarto que era estranho fazer isso em outro lugar, mas estava há duas semanas no navio e precisava deixar a estranheza de lado.

Aos poucos os piratas pararam de provocá-lo, talvez já entediados com a falta de reações por parte do nobre, ou talvez acovardados demais com sua língua afiada. E, felizmente, fazia bons dias que não via Sett, ou se via, era apenas de passagem. O capitão sequer fez questão de falar com Aphelios após sua última conversa em sua cabine, e o moreno não poderia estar mais agradecido.

O ruído de lâmina contra pedra estava cada vez mais alto.

Aphelios resolveu não tentar nada imprudente. Havia dito ao capitão que encontraria uma forma de matá-lo, mas se realmente conseguisse acabaria morrendo nas mãos dos outros, e se falhasse, era outra sessão interminável de sexo na cama do meio-vastaya. Não havia vantagens claras.

Mais alto e mais alto.

Algo ardia em seu âmago ao constatar que sua única opção era não fazer nada. Quanto mais invisível ficasse, maiores suas chances de sair dali vivo. Mesmo assim, não fazer nada?!

Servir de objeto de distração para aqueles restos de esgoto? Apenas observar enquanto fazem o que bem querem? E ainda havia aquele maldito olhar que Sett lhe lançava toda vez que o via. Um olhar que literalmente dizia "desistiu"?

Mais uma vez, o barulho cortou a noite e Aphelios socou o parapeito.

— Pare com esse maldito barulho!

O som imediatamente parou e um silêncio cortante seguiu-se. Aphelios sentiu até mesmo o vento parar quando passos ecoaram pelo convés, fazendo a madeira ranger contra o peso, revelando o mesmo homem que havia lhe dito o destino de Anne Bonny: Pyke.

Ele segurava uma cimitarra dentada cuja lâmina trazia o reflexo da lua consigo, e o fato dela não estar embainhada apenas fez o sangue do nobre gelar.

Aphelios prendeu a respiração quando percebeu que Pyke andava em sua direção. Não havia nada nos olhos do pirata, como se ele não estivesse realmente ali. Como se aquela presença assassina fosse apenas o que havia lá.

Morreria. Aphelios morreria ali.

Não havia para onde correr. Adiantaria gritar? Ou Sett sequer se importaria em sair da cama para salvar um nobre insignificante? Seria apenas ouro perdido, nada que ele pudesse recuperar.

Pyke parou há cinquenta centímetros de Aphelios, que não fez nada além de olhá-lo fixamente, os lábios tremendo enquanto a mão apertava o parapeito do navio com força. E então, o pirata moveu a mão esquerda, caçando algo em seu cinto.

— ...

O Lunari piscou quando Pyke lhe estendeu Howdah, arma que pertencia à Abdalla, o pirata que havia o assediado há duas semanas.

— O quê...?

— Somente um homem que conhece a arma tem o direito de empunhá-la.

Aphelios franziu o cenho, sentindo o medo flutuar de seu corpo junto com o longo suspiro que soltou.

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