Numa tarde de verão de meu décimo quinto ano, a cidade inteira se reuniu no pasto dos McDougal para ouvir um pastor itinerante falar. Ainda consigo ver meus vizinhos fazendo o percurso para o campo dourado, a grama alta faiscando ao sol, nuvens de poeira subindo pela estrada sinuosa. A pé, no lombo do cavalo ou sobre uma charrete, praticamente todos em St. Andrew foram até os McDougal naquele dia, ainda que não fosse por excesso de devoção, posso lhe garantir. Até mesmo pastores itinerantes eram uma raridade no nosso pedaço de floresta; aproveitaríamos qualquer tipo de entretenimento que pudéssemos ter para preencher a monotonia de um longo dia de verão naquele lugar desolado.
Esse pastor, em particular, aparentemente tinha vindo do nada e, em poucos anos, havia conquistado seguidores, além de uma reputação por seus discursos exaltados e conversa rebelde. Havia rumores de que ele teria dividido os frequentadores da igreja da cidade mais próxima, Fort Kent, num dia de viagem para o norte, colocando congregacionalistas tradicionais contra uma nova onda de reformistas. Também havia uma conversa sobre o Maine tornar-se um estado e se libertar do domínio de Massachusetts, de modo que havia certo frisson no ar, religioso e político, apontando uma possível revolta contra a religião que os colonizadores trouxeram com eles de Massachusetts.
Foi minha mãe quem convenceu meu pai a ir, apesar de ela não tolerar a ideia de se converter: só queria uma tarde longe da cozinha. Ela estendeu um cobertor no chão e esperou pelo início do discurso. Meu pai sentou-se ao lado dela, meneando a cabeça com um ar desconfiado, olhando de um lado para o outro para ver quem mais estaria ali. Minhas irmãs permaneceram sentadas perto de minha mãe, enfiando rigorosamente suas saias embaixo das pernas, enquanto Nevin desapareceu quase tão logo que a charrete parou, ansioso para encontrar os meninos que moravam nas fazendas vizinhas às nossas.
Eu fiquei em pé, protegendo meus olhos da forte luz do sol com a mão, mapeando a multidão. Todo mundo da cidade estava lá, alguns com cobertores, como minha mãe, alguns com o jantar arrumado em cestas. Eu estava procurando Jonathan, como sempre, mas parecia que ele não estava lá. Sua ausência não era uma surpresa; a mãe dele era uma das mais fervorosas congrecionistas da cidade, e a família de Ruth Bennet St.Andrew não participaria dessa bobagem reformista.Então, vi algo escondido entre as árvores; sim, era Jonathan, contornando a ponta do pasto em seu distinto garanhão. Não fui a única a vê-lo; uma onda quase palpável percorreu parte da multidão. Qual a sensação de saber que dezenas de pessoas o observam em êxtase, os olhos seguindo a linha de sua longa perna pressionando o flanco do cavalo, suas mãos fortes segurando as rédeas. Tanto desejo contido queimando no seio de muitas mulheres no campo seco naquele dia! É uma surpresa que a grama não tenha se incendiado.
Ele trotou até mim e, soltando os estribos, apeou da sela. Ele cheirava a couro e terra queimada de sol, e senti muita vontade de tocá-lo.- O que está acontecendo? - perguntou, tirando seu chapéu e passando a manga da camisa sobre a testa.
- Um pastor está visitando a cidade. Você não veio para ouvi-lo? - Jonathan olhou sobre minha cabeça, estudando a multidão.
- Não. Estava inspecionando o próximo pedaço de terra em que iremos fazer a colheita. O velho Charles não confia no novo inspetor. Acha que ele bebe muito. - Ele deu uma olhada em volta, aproveitando para ver as garotas. - Minha família está aqui?
- Não, e eu também duvido que sua mãe aprovaria sua presença aqui. - O pastor tem uma reputação horrível. Poderia ir para o inferno só de ouvi-lo. - Jonathan forçou um sorriso para mim.
- É por isso que está aqui? Você quer ir para o inferno? Sabe que há caminhos muito mais prazerosos para a condenação do que ouvir os discursos desses pastores diabólicos. - Havia uma mensagem no brilho de seus profundos olhos castanhos, mas eu não consegui interpretá-la. Antes que pudesse pedir a ele que explicasse, ele riu e disse: - Todas as almas dessa cidade parecem estar aqui. Isso me dá mais pena por não ficar, mas, como você disse, será um inferno se minha mãe souber.
- Ele ajeitou o estribo e subiu na sela, mas, então, inclinou-se na minha direção, de forma protetora. - E você, Lanny? Você nunca foi muito de sermões. Por que está aqui? Espera encontrar alguém, algum garoto especial? Algum jovenzinho chamou sua atenção? - Aquilo foi uma completa surpresa: o tom recatado, o olhar investigativo. Ele nunca havia dado a menor indicação de que se importasse se eu estivesse interessada em outro.
- Não - eu disse, sem fôlego, quase sem forças para dar uma resposta. Ele pegou as rédeas devagar, pesando-as como se estivesse pesando as próprias palavras.
- Sei que terá um dia que eu a verei com outro garoto, minha Lanny com outro garoto, e eu não gostarei. Mas é justo.
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Ladrão de Almas (Livro)
Mistério / SuspenseNo turno da noite de um hospital no estado do Maine, o dr. Luke Findley espera ter uma noite tranquila com lesões causadas pelo frio extremo e ocasionais brigas domésticas. Mas no momento em que Lanore Mcllvrae - Danny - Entra no pronto-socorro, mud...