30 - Bigger Than The Whole Sky

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Os dedos ainda estavam levemente sujos de poeira. Se recusou a limpar os resquícios de sujeira quando os passou por todos os móveis centenários do quarto antes de deixá-lo. Aquela poeira, aquele pouco resquício de sujeira não era nato da dona do mesmo, mas haviam oito dias desde que aquelas botas sujas de terra vermelha e molhada não davam as caras ali. Ele sabia que ela nunca mais entraria ali.

Sentou-se na cama por longos minutos, apalpando os lençóis intactos que cheiravam a grama fresca e cinzas. O perfume dela estava por todo lado, e Bellamy só reparou nisso quando ela já não estava ali. Nunca havia reparado em como seu cheiro natural já estava marcado em suas mais profundas memórias.

Suspirando fundo, tocou a maçaneta do guarda-roupa dela. Franziu o olhar e rapidamente tirou sua mão dali, já que sabia que encontraria parte de Celeste. Ponderou se aquele vestido vermelho que ela usou quando dançaram numa das festas de Nix durante a trégua com os terrestres ainda residia ali. Provavelmente, a resposta era sim. Ele só não queria vê-lo, por um motivo que não sabia ao certo qual era.

Seu peito se apertava quando se lembrava de que ela nunca mais o colocaria, de que ele nunca mais a veria vestindo-o novamente. Rapidamente, se afastou do guarda-roupa e parou no meio do cômodo. Sentiu-se sem rumo. Não sabia se devia ir embora ou ficar ali, sentindo aquela morbidez em volta dele. Ir embora dali significaria que Bellamy teria que encarar a realidade, e aquilo era tão mórbido quanto ficar.

Na cômoda, pegou com cautela um pequeno retrato e olhou-o do mesmo modo. Traçou os dedos sob a foto de Celeste e ele no primeiro dia dela na Guarda Arkadiana, mostrando sua respectiva jaqueta que a concidia tal posto. Os cachos ruivos ainda estavam ali, e ela posava contente e discreta ao lado de Nix Pike. Lamentou profundamente não ter participado da foto no momento em que foi tirada, já que ele quem fotografou ela.

Ao perceber que o céu estava começando a dar as caras do outro lado da única janela do quarto, ele rapidamente pôs o porta-retrato na superfície de novo, tendo cuidado de deixá-la no exato lugar onde estava. Onde Celeste havia o colocado na última vez que andou naquele chão, dormiu naquela cama nas noites que passaram juntos, observou a vista da janela enquanto se arrumava para mais um dia na Guarda.

Bellamy nunca imaginou que aquelas seriam as últimas vezes.

Apoiando-se na parede, ele observou silenciosamente os outros conhcidos que também perderam alguém, ou várias pessoas. Se recusou a juntar-se a eles, a ser um daqueles que lamentavam a morte. Se recusava a sequer acreditar que aquilo era verdade, mas escutou todos os discursos tristes de pais e mães que perderam os filhos, irmãos que perderam irmãos, esposas que perderam os maridos e assim sucessivamente. 

Até que Pike o encarou e suspirou fundo, anunciando:

— Quem vai falar por Celeste Kane?

Bellamy prendeu a respiração. Foi a primeira vez em oito dias que ouviu aquele nome ser dito por alguém. Nem ele ousava tal ato. Era doloroso demais, e o peito doía toda vez que ele se lembrava dela.

— Fox. - Bellamy respondeu, e todos os presentes olhares fixaram-se nele.

Nix, que estava sentada na primeira fileira e que havia chorado rios de lágrimas ao falar da irmã que perdeu no acidente, olhou para Bellamy com uma tristeza nos olhos que nunca havia demonstrado antes.

— Bem, quem vai falar por Celeste Fox? - Pike corrigiu.

Jasper, sentado em silêncio ao lado de Nix, mirava o colo, e levantou somente os olhos assim que Bellamy se pôs na frente de todos. Ele sempre tinha essa expressão depois do que aconteceu três meses antes, então não era surpresa que ele se sentia praticamente indiferente a situação. Bellamy reparou brevemente que ele segurava a mão de Nix e a apertava levemente, como se ambos estivessem se consolando de formas diferentes.

Engoliu à seco, pois lembrou-se da forma que Celeste era seu conforto e de como ele era o dela.

Suspirando fundo, retirou o pequeno colar. O dourado refletiu na luz, e ele mirou o pequeno amuleto em dormato de planeta Terra, passando a digital do dedão sob as iniciais de ambos cravadas ali. "C. F. + B. B.". Um amargor cobriu a língua quando a imagem da garota de cabelos ruivos e olhos verdes hipnotizantes tomou sua mente novamente.

— Uma das primeiras coisas...

Sua voz morreu brevemente, e ele limpou a garganta para ter capacidade continuar. Apertou o amoleto entre a palma da mão e os dedos, o sentindo no fundo de seu amâgo enquanto olhava para todos no salão. Por algum motivo, procurou cabelos de fogo no meio da multidão. Era costume procurar por ela em todo lugar que ia. Abaixou o olhar quando não a achou.

— Uma das primeiras coisas que ela falou assim que chegamos aqui na Terra foi o nome dela... Como ela gostaria de ser chamada. - Bellamy começou, engolindo à seco enquanto fitava o amuleto de ouro entre os próprios dedos. — Celeste Fox.

Silêncio, Bellamy esboçou um pequeno sorriso nostálgico, mesmo que a postura de seu corpo musculoso era deveras tensa. Falar de Celeste fazia seu coração se sentir melhor, mais quente. Como se uma lareira confortasse sua alma, como se ele tivesse sido abraçado pelo calor da primavera. Ou do verão.

— Ainda me lembro da nossa primeira conversa de verdade... Ela disse que ia me matar. - Ele soltou uma breve e melancólica risada, era a primeira vez que contava as próprias memórias assim. Em voz alta, como se contasse uma história para todos presentes ali ouvirem.

Nix esboçou um sorriso, sabendo que aquilo era a cara de Celeste. Os olhos de Jasper Jordan denunciaram a nostalgia também, e Bellamy percebeu quando ele segurou a mão de Nix com ambas as mãos. Como ele suspirou e olhou para a garota ao seu lado como se o simples ato de contempla-la acalmasse sua mente, corpo, coração e espírito.

Houve uma outra longa pausa onde seu sorriso se desfez lentamente até que aquela dor no peito voltou. Engoliu à seco pela vigésima vez no dia

— Ela não fez isso, é claro. - Ele completou, ainda sorrindo um pouco. Várias pessoas trocaram olhares.

Mas temo que eu tenha feito isso com ela, pensou para si mesmo, mas não ousou proferir tais palavras.

— Celeste não pertencia a este mundo. - Prosseguiu ele calmamente. — Ela era algo... Difícil de descrever, difícil de explicar ou de entender. Mas eu a entendia, e ela me entendia também. Ela me via, e eu via ela.

E guardou o colar no bolso, recusando-se a colocar a peça de ouro juntamente aos pertences memoráveis dos outros que haviam partido no desastre do Monte Weather. Do outro lado do lugar, avistou Kane de braços cruzados com uma expressão que nunca havia demonstrado.

Todos ali concordavam silenciosamente que a morte de Celeste Fox era uma tragédia, já que todos tinham ciência de como ela fez de tudo para salvar seu povo e outros mais. Celeste não era necessariamente uma heroína, entretanto era impossível negar que sua trajetória ali seria esquecida.

Ela não era somente uma memória triste. Celeste havia se tornado história de uma vez por todas.

— Ela mais do que tudo isso. Mais do que a floresta, mais que os terrestres e o povo do céu, que a guerra e a paz, que o planeta e a Lua. Celeste era maior que todo o céu.

Fitou o chão novamente, e franziu os lábios enquanto apertava os olhos.

— Que nos encontremos novamente. - Sussurrou de um modo que quase ninguém ouviu e voltou a se sentar.















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[NOTA DA AUTORA: a fanfic definitivamente NÃO termina aqui.]

𝐖𝐀𝐑 𝐎𝐅 𝐇𝐄𝐀𝐑𝐓𝐒 | ʙᴇʟʟᴀᴍʏ ʙʟᴀᴋᴇ ³Onde histórias criam vida. Descubra agora