Capítulo III: A Relva

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Sujeito à revisão!

A relva balançava com os ventos que passavam pelo planalto, uma cerejeira soltava suas folhas rosas ao vento, um chorão beijava as águas de um lago, uma araucária se erguia imponente sobre mim, o sol do outono me aquecia na minha caminhada, algumas árvores estavam alaranjadas.

O dia era esplêndido, a Província de Serrantória realmente me é um encanto, bem calma e sossegada, eu ainda temia muito ser descoberto, mas na pequena vila de Monte de Pinhais ninguém sequer imaginava quem eu já fui, mantinham em mente quem eu sou agora, um jovem rapaz que busca uma vida tranquila entre as montanhas.

A vila era muito linda, é em uma parte bem declínia da montanha, pendurada entre o profundo vale do rio Pinhal e o pico das Cabras, as casas são de madeira e pedregulhos, telhados bem inclinados para não acumular neve, sempre pelas manhãs com chaminés fumegantes, as ruas eram impossíveis para cavalos, eram escadarias e mais escadarias de pedra. A vista é deslumbrante, de qualquer parte da vila se vê as cachoeiras que saem desesperadas dos cânions que fumegam neblinas. Ovelhas pastam pelas pirambeiras acompanhadas de pastores. Vez ou outra temos a sorte da visão e a desgraça da bagunça de uma cabra subir nos telhados e então as telhas de barro cheias de musgo caem para baixo quebrando-se.

Toda vez que chegava o jornal, todos se reuniam no centro de reuniões, essa era uma casa bem maior que as outras, mais estruturada, com uma lareira no fundo, diversos bancos, mesas e cadeiras eram dispostos em meia lua, para acompanhar quem estava falando algo. Era a estrutura no ponto mais alto entre todas da vila, as janelas pareciam mostrar o mundo inteiro em um retrato, o horizonte se estendia pelas montanhas nevadas, verde escura e claras.

A tardinha se aproximava e todos deveriam estar na casa de reuniões para a leitura do jornal semanal, eu precisava calçar minhas botas e subir logo se não, iria me atrasar. Estava levando comigo duas lebres que cacei por aqui, coletei frutas vermelhas e peguei uma muda de samambaia para plantas no jardim que venho cultivando com Dona Armélia.

A trilha para subida serpenteava rochas cobertas de liquens acinzentados e árvores esparsas, vez ou outra passavam algumas ovelhas acompanhadas de cães brancos como a neve se não fosse o barro de seus pelos. O sol já ia sumindo e logo minhas botas tocaram as escadas.

Essa parte era sempre mais agitada, com comprimentos para cá e para lá, crianças correndo e todos subindo em conjunto. Tive muita sorte de me estabelecer aqui, todos me aceitaram muito bem, não dê início, mas atualmente conheço a todos.

A casa de reuniões se erguia imponente sobre toda vila, as portas abertas para que todos entrassem e a chaminé soltando fumaça cinzenta. As portas eram bem detalhadas e antigas, retratam um conjunto de pessoas erguendo uma casa com uma enorme montanha ao fundo, basicamente, era a paisagem da vila, quase intocada por inúmeras dezenas de anos.

Quando entrei logo percebi o calor do ambiente, além das conversas que sobrepunham umas às outras. O senhor Orfélio com o jornal na mão se pôs em sua poltrona no centro da semi lua e todos se sentaram com chás, cafés e vinhos. Sentei-me próximo a Dona Armélia e seu filho, Dimitrio, que desde que cheguei me acolheram e se tornaram meus amigos.

–Boa noite. –Disse o senhor Orfélio e o único som era sua voz. –O jornal marca a semana de quase um ano de morte do Príncipe Amerinto V da casa Alérico, seu falecimento, por alguns comemorado e por outros chorado, completará em breve o primeiro ano na metade do inverno. –Gostei de como deixam claro que preferem a mim morto.

–As colheitas de frutas vermelhas tem sido fartas e teremos uma ótima e farta safra de vinho do mesmo, já as colheitas de batata, cenoura, trigo, beterraba, entre outros sofreram uma queda, considerando os acontecimentos das Províncias Vermelhas, trabalhadores firmaram-se contra as medidas abusivas das casas dos Gonchários e dos Ferintios, tais atos dos trabalhadores geraram um massacre de mais de 200 homens mortos em Cervila, gerando queimas em lavouras. –Realmente terrível, ambas essas casas nutriam um ódio devido a algumas coisas que eu denunciei a jornais do que eles faziam com os trabalhadores, um trabalho equiparável a escravatura.

–A casa dos Aléricos, vossa família real, declara que enviará tropas para ajudar a manter a ordem nas Províncias Vermelhas, além disso a Rainha em uma declaração falou estar ainda muito deprimida pela perda do filho, entretanto o Rei se mantém recluso a tal assunto, os irmãos mais velhos disseram sentir falta, as princesas afirmam estarem entristecidas e enlutadas. –Nada que eu não esperasse de meu pai.

Bem, o que me chamou a atenção foi o massacre, foi perceptível o horror de todas as pessoas em relação ao acontecimento, mas eles aparentam estarem formando uma resistência contra a nobreza, entretanto com as tropas da capital, é improvável que eles consigam sequer fazer algo.

Há possíveis intervenções que poderiam realizar, se os revoltosos se organizassem, com toda certeza venceriam as tropas, considerando que não são muitos homens, normalmente são em torno de 100 soldados, conhecendo meu pai, então realmente acredito na possibilidade de vitória dos trabalhadores.

Pensar nas Provîncias Vermelhas me lembram de Alceu, como deve estar ele atualmente, será que está vivo, se ainda pensa em mim.Talvez ele esteja na resistência. Caso esteja, espero que ele seja um bom soldado, caso contrário meu coração se aflige.

A situação das Províncias Vermelhas não me são novas, tanto já briguei por isso, visitei-as cinco vezes, absolutamente as condições de trabalho são revoltantes a qualquer um que tenha o mínimo de empatia. As duas casas das províncias foram condenadas para aquelas terras, há cerca de 300 anos, os Gonchários e a cerca de 150, os Ferintios, ambas fizeram barbáries para que isso ocorresse consigo. Não digo que as tais províncias sejam horríveis e dignas de serem condenações, pelo contrário, duas das mais belas e mais diversas do reino inteiro.

A cidade vermelha, Cervila, realmente grande e bela, claro, menos que a imensa Odélia, entretanto de grandeza e relevância equivalentes. A localidade é caracterizada pelo seu grande objetivo inicial, a extração de areia, arenito, rocha e minérios, criando então uma vala imensa entre as serras, conectando uma planície a um vale.

O rio Vermelhéus nasce na divisa das províncias, atravessando florestas de acácias e campos até ficar na altitude das planícies, formando assim diversas lagoas e regiões alagadiças, ele delimita as divisas provinciais e posteriormente fronteira, esse é o segundo rio mais extenso do país e um dos mais volumosos, ele desenha um vale esplêndido.

O rio Ulário nasce no coração da Província de Arefênia e vai a cortando em partes de planalto, mas graças aos séculos de escavação e mineração, um dos trechos mais curtos entre as planícies do Vermelhéus e o vale do Ulário, foi reduzido à uma área plana, não muitos metros acima das àguas do mesmo, e nesse "vale" estabeleceu-se Cervila, nas margens do rio Ulário, nenhum deles se encontra, ambos correm em sentidos opostos, mas há relatos de uma gigantesca enchente do Vermelhéus que fez sua água chegar ao Ulário há cerca de dois séculos.

A capital da Província de Arefênia é conhecida como a cidade vermelha devido a grande parte de suas construções serem de madeira de acácia, essa que é vermelha, os edifícios mais altos são de arenito polido, realmente muito deslumbrantes e fresquinhos. As ruas e ruelas na noite se enchem de pessoas buscando uma roda de samba, mas pelo que fiquei sabendo as rodas foram criminalizadas e agora não há mais a alegria noturna.

Já Odélia até onde eu sei ainda tinha suas rodas, essas que têm local marcado sempre, no gazebo do centro

–Para finalizar, temos aqui a anunciação do fim do outono daqui a uma lua, como se não soubéssemos. Adeus aos veraneio de outono. –Disse o senhor Orfélio finalizando a leitura do jornal, mas tenho certeza que perdi mais da metade.

Cevila: A RevoluçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora