Capítulo VI: O Irmão I

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O caminho de volta era mais lento. A subida era desafiadora e com o peso das caças e plantas coletadas a situação dificultava, porém quando avistamos a fumaça ao longe o choque fez com que corrêssemos mais rápido.

Eu vi nos olhos de Dimitrio o mais puro desespero. Era translúcida a água dos seus descendo pela bochecha e caindo nos campestres que balançavam com o vento frio e eram úmidos pela chuva da noite anterior.

Quando chegamos próximos o suficiente da vila, foi confirmada a suspeita de um ataque. As bandeiras hasteadas eram da família real, aquela maldita coroa sempre me assombrou quando criança e agora o azul gélido me lembrava a morte.

Garnídes estava montado em um garanhão negro. Sua armadura brilhava mesmo quase sem haver sol transpassando as densas e velozes nuvens. Eu sabia do que ele estava vindo atrás, não havia motivos para vir aqui, a revolta era nas Províncias Vermelhas, então, de alguma forma, talvez, eles saibam que estou vivo.

Eles sabem. Eu sei que eles sabem.

–Dimitrio, espere! –Eu gritei para ele que continuava a correr me deixando para trás. –Por favor!

Ele não esperou, correu na direção da vila que queimava e tinha inúmeros soldados pelas ruas íngremes que agora pareciam se encher de fuligem. A flecha foi rápida demais,ou na verdade eu que estava lento. Não importa, eu caí com ela cravada em meu ombro direito.

Tudo parecia estar devagar demais apesar de eu conseguir perceber claramente o sol descendo para o seu descanso para além das Províncias Vermelhas, vi com clareza todos os homens que se reuniram ao meu redor e vi meu meio-irmão me olhando de cima enquanto meu sangue molhava a terra vermelha das montanhas férteis.

Quando acordei novamente eu estava em um lugar aconchegante, uma lareira crepitava a qual iluminava o cômodo. Deixei-me ser ingênuo e acreditei por meros momentos que tudo não passara de um sonho e que a dor no meu ombro era mera ilusão. Porém fui puxado de volta do abismo da irrealidade com aqueles olhos verdes que me encaravam.

–Você dormiu bastante, irmãozinho. –Ele disse-me sentando ao meu lado na cama. Estava relaxado, sem armadura e não aparentava possuir em mãos ou no corpo uma sequer adaga. –Sinto muito o inconveniente... da flecha, sabe.

–O que você fez com Dimitrio? E com o povo daqui? Eu juro a você que eles são todos inocentes, não merecem nada de ruim. –Tento me levantar e me afastar dele, mas sua mão me deita novamente. Garnídes é um homem forte, de feições belas, mas duras. Sempre foi mais forte do que eu e não tinha muito apreço pela minha presença. Sua barba estava um pouco crescida, era avermelhada e negra. Seus cabelos castanhos quase ruivos estavam um pouco bagunçados e havia um corte no seu lábio.

–O rapaz está bem... eu acho. Bem, não quero lhe aterrorizar, irmãozinho. –Ele permanecia sentado próximo demais. –Não pretendo lhe fazer mal, precisamos de você de volta. Realmente, seu truque foi bem planejado, se não fosse por uma mãe inconformada e um guarda bêbado, teríamos continuado achando que você está morto e apodrecendo nas criptas da Fortaleza de Albra, mas um guarda estava espalhando boatos em algumas tabernas de que havia visto seu fantasma. Disse que tentou te agarrar, mas você se jogou no rio congelante, que estava vestindo uma capa vermelha. –Ele parou e riu.

–Obviamente eu fui interrogá-lo e ele me contou tudo que viu no dia, com mínimos detalhes. Eu não esperava que esse boato me levaria a outro, uma nobre disse que viu alguém com capa vermelha na Estação Central. Em determinado momento nossa mãe ouviu e conseguiu fugir da torre na qual ela estava sendo contida e foi até as criptas. –Seu olhar pesou sobre mim. –E agora creio que você entende o porquê estou aqui.

–Para levar meu corpo às criptas? –Questionei com uma indiferença e raiva crescente.

–Não seja tolo, irmãozinho.

–Se quiser, me mate logo e deixe que meu corpo se junte às cinzas desta vila nesta terra vermelha.

–Está sendo tão dramático.

–Diga-me o que você quer! –Exclamei me levantando, meus olhos percorriam a sala em busca de algo que pudesse feri-lo.

–Eu quero muitas coisas, mas o que você vai me dar é apenas um sorriso. Voltará para a capital, encontrará nossa mãe e vai para o castelinho do exílio bastardo, irmãozinho. Não causará mais desagrados, o povo continuará achando que está morto e periódicamente nossa mãe irá visitá-lo. –Eu vi nos seus olhos a mentira, o fogo que me queimava, era uma promessa falsa. –Prometa que será um bom menino, obediente e dedicado. –Ele se aproximou e pude perceber novamente a sua altura em relação a mim.

Olhei para cima para manter os meus olhos nos dele. Estava muito próximo, sua presença me sufocava, me oprimia. Seus lábios depositaram um beijo na minha testa e seus braços me envolveram em um abraço. Meu coração vacilou. Era isso que eu queria?

Não. Eu quero a liberdade e esse abraço é uma lembrança da prisão. Eu tenho pelo o que lutar agora, nada irá me impedir.

–Promete? –Ele perguntou, se afastando um pouco para que seu olhar voltasse a encontrar o meu. Eu acenti com lágrimas escapando de meu controle. –Isso, bom garoto!

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⏰ Última atualização: Apr 27 ⏰

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