PRÓLOGO

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Novamente o doutor Henrique se esforça para ministrar mais uma aula. As fórmulas dos cálculos lhe fogem à mente. Entre pigarros e gaguejos o blazer é novamente ajustado ao corpo pela centésima vez. A testa está lubrificada; o constrangimento não é mais disfarçado. Não é a rotina causticante de um professor universitário que lhe causa tais sensações, longe disso, nem muito menos a lotação do auditório.

Os sonhos proibidos da noite passada pareciam tão reais que nem mesmo uma manhã ardente com a companheira de aliança acalmou os hormônios do aniversariante. O "presente" da comemoração dos seus quarenta anos não fora tão satisfatório, pois a "vela" insiste em reacender a cada olhar da caloura do curso de arquitetura, obrigando o pobre homem a explicar o assunto detrás de uma mesa.

Para Eveline a situação parece divertida. A cada olhada de Henrique o cabelo é sutilmente ajustado, revelando mais um pedaço do seu delicado pescoço pálido, que exala os feromônios do auge de seus dezenove anos. Mesmo ouvindo os suspiros das demais concorrentes, ela não se sente nenhum pouco intimidada. Nenhuma é páreo para ela.

As pernas se cruzam acentuando a firmeza de coxas macias e a saia vermelha de estampa xadrez acentua a vivacidade da sensualidade feminina, escondendo um fruto proibido para Henrique. E o que falar do decote? Ah, o decote... Quantas horas da madrugada o professor não perdera ao protagonizar penetrações enérgicas em sua esposa, motivadas pelas inspirações daquela imagem?

A aula prossegue entre os lapsos de memória do mestre ao discursar e o olhar de um felino ante a caça. "Um bom banho gelado resolve minha situação", assim imagina o professor, suplicando o passar das horas.

A classe, mista entre veteranos repetentes desiludidos e calouros que imaginam a vida universitária ser como nos filmes de American Pie, se enturma aproveitando o desleixo do professor. Talvez pensem: "mais um Zé-Mané", ignorando os doze anos de experiência do agora, recém-nomeado doutor.

Ao longo de todo este tempo de dedicação amor ao trabalho, ainda que recebendo investidas de algumas alunazinhas afogueadas, Henrique sempre se manteve fiel ao seu sólido casamento. O aumento salarial proporcionado pelo novo título agora indica o momento de planejar a vinda do seu primogênito e arriscar tudo isso por uma aventura inconsequente, parece burrice.

Eveline mantém firme o seu propósito. Hoje está mais ousada. Desde o primeiro dia de aula almejou o porte físico másculo e os traços joviais do seu fruto também proibido. Apesar de apenas ter duas aulas estimulantes por semana e se aproximar do horário do almoço, cada segundo tem que ser friamente planejado para a fisgada.

Na última investida a ponta do lápis amacia os lábios carnudos da menina. Ela o mordisca lentamente enquanto "analisa a questão" do caderno, correndo a língua de um jeito moleca pelo o gloss, quando tem que escrever algo. Além do professor, a macharada do ambiente vai ao delírio quando "inocentemente" Eveline alisa o pingente sobre o decote evidenciado pelo bojo de rendas brancas.

- Fala sério. Agora você está parecendo uma vadia. – diz Júlia: a fiel escudeira nerd, quase bonita da estória – se não fossem os óculos fundo-de-garrafa e os terríveis moletons infantis. Dica de beleza: ande sempre com alguém mais feio do que você.

- Julia, não amola, vai.

- Você está quase se jogando para cima dele. Ele está percebendo, sua maluca!

- É assim mesmo que eu quero.

- Olha a conversa, eu já falei. – o professor aproveita para justificar o olhar.

Julia, toda desajeitada, ajusta o óculos maior do que o seu rosto e retoma a posição na carteira.

- Mas, e aí, Jú? Quando a gente vai entregar o trabalho dele mesmo? – sussurra Eveline.

- A gente?! Alôo?! Só pra constar, quem faz todos os trabalhos, inclusive os seus, sou eu! – desabafa a nerd em mais uma tentativa de invocar remorso à mente da bonita.

- Eu sei que você me ama, garota.

- É. Pode ser. Também não tenho muitas amigas mesmo.

- Alôo digo eu agora. Eu sou sua única amiga. Esqueceu foi? – a sedutora debocha em tom irônico. – O que você está lendo aí?

- Nada de interessante; uma pesquisa sobre psicopatia.

- Deixa-me ver... – Eveline segura o riso. – Aff! Não vou nem terminar de ler. Todo mundo sabe que foi a tal de Mariana. Tá bem na cara isso... Porém devo lembra-la que é aula de cálculo queridinha... – ela alcança uma lixa metálica dentro das botas. - Não sei não, garota, mas você está precisando de um Spa pra repaginar essa sua cabeça de fios amarelos opacos e esse visual cafona.

- Eu me sinto bem assim. Já te disse! – berra Júlia ao se esquecer da aula, conseguindo pela segunda vez no semestre despertar a atenção e o riso de todos ao redor – a primeira foi quando se esparramou no chão do R.U toda coberta pela sopa de 1,99.

- Sim, senhorita Júlia. Poderia derivar? – indaga professor Henrique.

O slide do Power Point exibe a seguinte equação: F(x) = 8x11. Tropeçando pelas mochilas do caminho e trêmula pela exposição a nerd em poucos segundos desenrola a resposta no quadro branco:

- Meus parabéns senhorita Júlia. Uma corajosa no meio da multidão. A velocidade me impressionou, para uma marinheira de primeira viajem. Pode retomar seu assento.

Eveline encara o regresso da amiga bestificada.

- Como você fez isso parecer tão simples?

- Nada demais. Eu apenas estudo dobrado nos trabalhos "EM DUPLA", enquanto você passeia pelas boutiques de grife. – a nerd responde com um riso tímido numa pitada de orgulho.

- Pelo menos isso serviu para aumentar minha popularidade. Não quero que digam por aí que ando com uma fracassada, pelos corredores.

- Eu sei que você me ama, sua cobra.

- Fazer o que? Eu também não tenho muitas amigas.

O sinal milagrosamente toca, findando mais uma

aula chata desta entediante semana. Entediante para os outros, exceto Eveline.

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