PRÓLOGO - Eu e o Diabo

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Dedicatória — A todas as manas, filhes de divórcio, este pornô inefavelmente dramático é todo de vocês. Abençoado sejam suas mentes férteis e maculadas.


***

Eu e o Diabo

Poderia ter sido nós.

Na medida em que o Bentley acelerava pelas ruas de Londres, ultrapassando o limite de velocidade e driblando os carros — quebrando centenas de normas do trânsito —, nuvens de um preto-ardósia cobrem o lindo sol que havia até pouco tempo se instalado no início da manhã. A mudança drástica do clima era influenciada pelas emoções turbulentas que eram geradas dentro do coração quebrado de Crowley, e nem mesmo ele conseguira ter autocontrole... Não depois do que aconteceu na livraria.

As primeiras gotas salpicaram com ingenuidade. Crowley podia sentir o sabor de Aziraphale em seus lábios; o gosto da cafeína de latte de aveia, e com uma dose de xarope de amêndoas mesclou com a saliva de sua boca. O café o deixara atormentado, e seu corpo começa a soltar vapor, literalmente. Ódio e tristeza repudiam em seu coração, e Crowley irá despejar uma carga intensa de poder a qualquer instante.

Os pingos da chuva engrossam, e as rodas do Bentley pegam fogo, o ponteiro de velocidade no seu limite.

— Porra! Porra! Porra! — Crowley soca o volante, pisando com todas as forças no acelerador.

Sua mandíbula endurece, e o nó em sua garganta o estrangula. O Bentley sai da cidade, seguindo por uma estrada de chão ao lado de uma ferrovia. O carro derrapa na terra ao dar a curva, passando por cima de uma buraco quilômetros mais à frente, e então, escorrega novamente com uma segunda curva, parando dentro de uma zona rural e longe da sociedade humana.

Fervendo em ódio, Crowley dispara para fora do carro, se distanciando ao máximo. Por fim, uma cortina de raios resplandecentes explodem de seu corpo, arrecadando trovões que nasceram de seus gritos. A tempestade escureceu Londres, rajadas de vento derrubaram quantidades absurdas de árvores, causando uma bagunça ambiental.

Se Crowley não tivesse saído da cidade, teria dizimado toda a Londres.

O demônio cai de joelhos sob a poça que formou-se aos seus pés, socando a água repetidas vezes para libertar-se da dor em seu coração — uma sensação torturante que se recusou a ir embora.

— Seus bastardos! — Crowley grita para o céu, a chuva limpando o seu rosto. — Antes que arrancassem as minhas asas, ou me crucificar dentro de uma igreja... Mas não tinham o direito de tirar ele de mim!

Crowley queria se convencer de que a culpa era do Céu, de que tudo fora planejado por Deus, e o recrutamento de Aziraphale seria para separa-los. O Céu tivera sim uma culpa, mas a palavra final fora de Aziraphale. O anjo escolheu eles, ao invés deles. Ele amava mais o Céu do que a serpente do Eden que passara mais de 6 mil anos ao seu lado, o amando inefavelmente.

Seu terno preto fora chamuscado pelos raios que dispararam de suas veias, e o tecido grudou-se em seu corpo, encharcado ao extremo. As lágrimas rasgam as maçãs de seu rosto, tão ardentes quanto o próprio fogo do inferno, formando cicatrizes escuras em sua pele.

A última vez que Crowley chorou fora em sua queda.

— Sempre foi pelo plano divino, não é? — Crowley resmunga, não diretamente ao Céu, mas ao anjo que o traiu. — O maldito do inefável plano divino. Nunca houve um nós, foi apenas eu. Eu sempre fui um demônio para você... O seu inimigo hereditário, como você uma vez disse! Não havia como dar certo, né? Você sempre amou o Céu mais do que tudo... Sempre foi o Céu!

Pacto Inefável (Good Omens)Onde histórias criam vida. Descubra agora