— E quem é você?
Ele perguntou com tanta ingenuidade, como se estivesse realmente interessado na minha vida fora da cama.
— Essa é uma pergunta muito aberta — desconversei, deixando a fumaça do cigarro ir para cima e fechando os olhos, pensando em maneiras de evitar esse tópico.
— Fala sério, você entendeu! — ele ri como se fosse a coisa mais natural do mundo — O que você faz? Do que tu gosta? Qual seu livro preferido?
— E como cê sabe que eu gosto de ler? — era peculiar para mim, sorrir até a mandíbula doer.
Ele pegou o cigarro e deu uma tragada antes de responder, deixando tempo de sobra para eu admirar seu corpo nu na cama que eles dividiam.
— Não sei. Você me parece uma pessoa que lê.
— Eu leio clássicos brasileiros. Gosto de me chocar com as coisas que já foram vividas e agora são estudadas.
— Profundo — os olhos brilharam, a expressão cheia de expectativa — Qual o teu favorito?
Era só isso que eu precisava para começar a falar sobre como não consigo escolher um preferido. Às vezes, admito a si mesme que sou solitárie, que melhoro com alguém para conversar.
Uma corda arrebentando. Eu gemi com a dor repentina no pulso, que sempre cubro com pulseiras coloridas, mas no sexo ninguém nota muita coisa. Por reflexo, abraço com a mão do outro braço.
— Cê tá bem? — se aproximou preocupado e esticou a mão para ver mais de perto.
Eu me afasto num pulo. Tremo. Arrepio. Tiro a mão rapidamente. Uma mancha roxa, um símbolo de fraqueza. De derrota, de humilhação. De tudo que eu tento esconder. Da vida que tento evitar. Me amargo tentando respirar normalmente.
Ele fica surpreso? Não sei dizer, não consigo ler sua expressão e isso me assusta.
Ele se afasta devagar e me oferece o cigarro.
Eu aceito.
— Te acompanho até o terminal? — ele pergunta.
— Pode ser — trago, evito olhar para ele e tento agir o mais normal possível, querendo que esta noite acabe logo.
Ele pega minha mão e a beija. Apoia sua bochecha na palma. Olha pra mim com aqueles olhos castanhos curiosos. E pergunta:
— A gente se vê de novo semana que vem?
Na próxima semana, na mesma sexta-feira cansativa, nós vamos encontrar um escape um no outro. Vou me aliviar, mesmo que por uma noite, dessa vida miserável com machucados e ofensas diárias.
Eu sorrio. Pela quinquagésima vez no dia.
— Te vejo semana que vem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quem te conta?
Short Storycontos, crônicas e histórias curtas sem nexo e sem necessariamente conexão. apenas um teste de escrita de um escritor novato