Paulo

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E eu gritei "vai se foder" e ele gritou "enfia no cu" de volta. E nós brigamos e amaldiçoamos um ao outro, tudo para, em menos de 24 horas, estarmos na cama transando e se amando intensamente. É como um ciclo que nunca acaba, nós dois presos um no outro. E aqui jaz eu desviando da faca que ele segura como se a vida dependesse disso.

Não depende, ele sabe. Sabe?

— Larga essa faca, Paulo!

— Você merece, amor! — ele ironiza e tenta um ultimato. Por reflexo, coloco meu corpo na direção contrária e ele acaba tropeçando no meu pé. Ele bate a cabeça na mesa e cai em cima da faca.

E aí está o fim.

Silêncio.

Segundos em silêncio. Eu encarando o corpo. O corpo não fazendo nem um piu. O sangue escorrendo, molhando o piso branco que ele disse que eu ia amar — eu odiei. E agora quem eu odeio está estragado, assim como o piso.

Esconder um corpo não é a coisa mais difícil do mundo. É difícil quando se tem um fantasma te irritando.

— Talitha, pelo amor de Deus, faz essa merda direito! — Paulo dita as minhas ações até no pós vida. Ele me dá bronca enquanto me atrapalho para enrolar teu corpo no tapete.

— Não é real, não é real... — sussurro para mim mesma, mas sei que não é verdade.

Mesmo que ele não seja real ainda está aqui e sempre estará.

Eu pego a faca, lavo na pia da cozinha ao som de reclamações sobre eu nunca lavar a louça — ele sempre esperava que eu fizesse as tarefas domésticas.

Uma hora eu interrompi seu monólogo e tentei um golpe, a faca apenas atravessou e ele riu. Tentei fones de ouvidos mas a voz do filho da puta do Paulo supera até quando o som está no máximo. Eu escondi o corpo com sucesso, convenci a família que ele sumiu e trabalhei com a minha consciência. Quer dizer, tentei. Eu falhei miseravelmente. Tudo porque Paulo não me deixa sozinha. Ele fala, ele reclama, ele ri, Paulo faz tudo isso e mais. Paulo relembra todos os assuntos desconfortáveis que tivemos. Todas as vezes que ele me forçou a algo. Todas as vezes que nós brigamos ou que xinguei ele. As vezes em que fui injusta. As vezes em que ele teve a última risada. Paulo lembra. E ele faz questão de que eu nunca esqueça.

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