O livro que ninguém queria ler

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O livro que ninguém queria ler

Era um livro de muitas páginas, recusava-se a leitura só com essa desculpa. O livro sentia inveja dos seus companheiros, livros pequenos de poesias, sendo retirados da estante, mas nunca pegavam ele para ser lido. Então um dia o livro se despoeirou e voou para o passado em busca de leitores. Caiu nos anos difíceis do século XX, especificamente, na década de 60 no Brasil. Todavia, o livro foi infeliz em sua tentativa de ser lido. O governo autoritário da época, proibiu o pobre livro de ser lido. O governo o trancou em uma biblioteca cheia de outros livros proibidos para o público. No quarto enorme onde o livro de muitas páginas estava trancado, havia uma janela aberta, então ele saiu por ela e viajou mais alguns anos do passado até parar em 1944. Quando o livro chegou nesta época quase teve suas páginas queimadas, pois estava em um campo de guerra. Ele, desesperado, correu até uma casa longe do conflito.

Dentro da casa estava uma mulher triste, que, possivelmente, perdeu o marido na guerra. Ela agora tinha tempo só para cuidar da casa e do filho pequeno que ainda era um bebê. Percebendo que a dona de casa jamais teria tempo para lê-lo, e tampouco a criança, o pobrezinho do livro ainda estava animado com suas páginas abertas, saiu voando para um passado ainda mais distante.

Ele ficou encantado no ano em que estava. O ano de 1500 era mais verde, tinha mais praias e tinha a cara do Brasil primitivo, com seus milhares de índios. Ele ficou tão feliz com os índios em meio a natureza, nus, parecendo não muito incomodados com sua liberdade. O livro se encheu de esperança e viu que ele seria o primeiro livro que os índios iriam ler.

Mas suas esperanças foram levadas com o vento ao ver grandes embarcações chegando no litoral. Não demorou para notar que eram portugueses que vieram colonizar o Brasil. Para piorar houve uma grande guerra sangrenta entre os dois povos, os índios resistiam muito para protegerem suas terras. Porém, os nativos acabaram se rendendo aos poucos.

Logo, depois de um tempo vieram padres com suas bíblias forçando os índios a deixarem suas crenças para adorar o Deus dos europeus. Padres liam suas bíblias para eles, tornando-a o primeiro livro lido ali. O pobre livro se sentiu excluído, já que os padres liam apenas as bíblias. O livro grande então voou mais alguns anos para trás e acabou caindo em uma casa afastada de toda civilização. Lá morava uma mulher e seu gato.

A Senhora sorridente que parecia simpática viu o livro caído no gramado do quintal dela. Curiosa, foi até ele e passou pelas milhares de páginas, decidida a lê-lo. O livro ficou tão contente que vibrou nas mãos da senhora. No entanto, de longe um camponês viu o livro vibrando de alegria e pensou que a mulher estava praticando bruxaria. Assim, a senhora foi denunciada e condenada a fogueira. E o coitado do livro perdeu a oportunidade de ser lido outra vez. Quando viu a mulher agonizando na fogueira, o livro voou para mais anos do passado ainda.

Em frente a Idade das Pedras, o livro caiu no meio de quatro nômades que pulavam em círculo, amedrontados daquela coisa que caiu do céu do nada. Então os humanos primitivos, que mais pareciam animais, jogavam pedras e paus. O livro, com medo de ser danificado mais ainda, voou com muito mais força para o futuro.

"As pessoas devem ser mais evoluídas do que esses animais." — Pensava o livro.

Dessa forma aconteceu: o livro chegou no futuro e ficou aterrorizado. Estava em 2115 e os olhos das pessoas brilhavam e eram fundos, seus pescoços eram tortos para baixo, o que dava uma aparência esquisita a eles. O livro ainda viu alguns passantes desse tempo com namoradas e namorados de hologramas, pois pareciam ter medo de qualquer possibilidade de rejeição de uma pessoa de carne e osso. Ele também não viu muito livros físicos nas bibliotecas. Os leitores dessa era liam só em aparelhos os quais podiam guardar no próprio bolso. E quando o coitado do livro se sentou comportado em uma estante vazia de livros, brotaram inúmeras pessoas de todos os lugares filmando e tirando fotos do livro para postarem na internet. 

 — Não vejo um livro físico desde 2085 - dizia um dos jovens reunidos. 

O livro não aguentou tantos flashs em sua capa e voou para alguns anos passados. Chegando em 2023, resolveu descansar dessas viagens loucas e ficar no presente. Assim, o livro, triste em não ter encontrado ninguém, voltou a pegar poeira na estante. O livro então adormeceu e ficou um longo tempo dormindo. De repente notou alguém batendo um pano úmido em sua capa dura e folheando-o. O livro ficou atônito e feliz porque você o leu todo e viajou com ele tantos anos. 

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