Mãos pequenas e gentis acariciavam meu cabelo logo pela manhã, virei meu rosto para olhar e pousando sobre o lado úmido do travesseiro vi Miguel soltar um sorriso carismático como se quisesse me animar, me sinto triste por isso, pois não adiantou, nem o mais radiante sorriso me traria felicidade alguma naquele momento e com uma voz rouca o questionei:
— O que foi Miguel?
— A janta tá pronta, já podemos comer.
— Janta? Que horas são?
— Não sei, só que é hora de comer.
Vasculhando embaixo do travesseiro encontrei meu celular e ao pressionar a tela se acendeu causando incômodo nos meus olhos e com eles entreabertos eu vi o relógio marcar as 20:17, o dia passou e não tive forças nem mesmo para levantar da cama. Sinto a boca seca pela falta de hidratação e um forte aperto na barriga por vontade de urinar.
Levantando da cama minhas costas desacostumadas a ficar de pé doeram como nunca, quase soltei um urro de dor enquanto pedia:
— Eu só vou tomar um banho, me espera na mesa que eu já saio para comermos juntos.
Vi os olhos de Miguel brilharem e ele balançou a cabeça como um cachorrinho fofo e obediente ao sair do quarto. Ligando a luz do banheiro meus olhos arderam por um tempo até acostumar com a claridade aos pouco, meu reflexo no espelho era horrível, meus olhos pareciam fundos e com largas olheiras ao redor esses dias tinham mexido não apenas com a minha cabeça, todo o meu corpo mostrava sinais de tristeza e a magreza refletia o sofrimento.
Demorando mais que o necessário o relógio marcava cinco para as nove quando vou a mesa e vejo Miguel sentado com o cotovelo apoiado e o punho escorando a cabeça, assim que ele me viu abriu novamente um sorriso, e minha mãe que estava escorada no balcão da cozinha pegou os pratos e os colocou na mesa, os olhos dela demonstravam tristeza, mesmo assim forçou um sorriso.
Aquele jantar parecia ter sido preparado especialmente para mim, pois tinha as comidas que eu mais gostava, sobre o prato uma porção de arroz soltinho sob uma concha de bobó de abóbora recuados para caber uma porção de salada de tomate cortada em cubinhos e uma fatia de carne assada. A aparecia da comida parecia deliciosa, mas assim que comecei a comer era como se eu mastigasse isopor, não sentia o gosto de nada a tristeza tinha tirado até mesmo os sabores da vida.
Depois do jantar voltei ao meu tumulo cama e comecei a olhar os stories no Instagram, as mensagens de luto as fotos tudo aquilo me perturbava, eu não sentia verdade em redes sociais só o teatro e fingimento, mas como poderia julgar a dor de alguém como verdadeira ou falsa? Nesse momento eu julguei a mim enquanto julgava os outros. Meus olhos arderam e então bloqueie a tela do celular colocando-o no carregador.
O escuro me perseguia eu tentava fugir, corria atrás da luz e sempre que eu parecia próximo ela escapava e a escuridão me cobria novamente. A claridade estava cada vez mais distante e meus olhos nem a enxergavam, o escuro consumiu minhas pupilas enquanto eu caia no infinito com meu grito acordei.
Ofegante, tentava acalmar meu coração palpitante com uma respiração profunda enquanto encarava o teto sobre mim que parecia aumentar e diminuir a cada vez que meus olhos pestanejavam, foi tão alto que eu nem consegui ouvir (...) foi tão forte que meu corpo tremulou, foi tão triste que eu nem suportei sentir, foi tão doloroso que minha alma se quebrou com o segundo grito:
— "Miguel."
Depois de quase dois minutos sufocando inspirei quase desfalecendo e minha boca recuperou a voz num grito agonizante:
— Miguel!
Não sabia se fora um sonho ou se a voz da morte realmente havia chamado pelo meu irmão eu não sabia de nada, minha mente estava tão perturbada que não compreendia mais nada, meu corpo agora agia involuntariamente e num salto levantou da cama e passou a andar de um lado para o outro, vejo um pequeno brilho espiar pela brecha da porta entre aberta, os olhos de Miguel me vigiavam na escuridão da noite.
— Miguel o que está fazendo aqui?
— Eu te ouvi gritando meu nome, por quê?
Não poderia falar sobre algo tão assustador para ele, eu um homem quase formado não conseguia suportar aquilo, imagina uma criança. Terminei de abrir a porta do quarto e aproximei-me dele, abaixei para ficar da sua altura e um envolvi num abraço apertado. Sentia o calor do corpo dele me aquecer espantando o frio do medo, a voz não me deixaria ter paz e passou sussurrar o nome do meu irmão em meu ouvido, tentava abafar aquilo apertando o abraço, mas a voz aumentava numa crescente que me deixava surdo.
Louco, a voz da morte me deixava em desespero larguei o abraço e caminhei em direção a janela e ao abri-la ouço "Mauricio" minha mãe surgiu a porta do quarto vi sua silhueta esboçada pela luz que vinha da sala e com um clique a luz do quarto se acendeu, antes que a luz preenchesse o ambiente saltei pelo quadrado correndo sob um céu de nuvens sombrias.
— Mauricio! — Minha mãe gritou enquanto eu me distanciava.
Ela continuava a me chamar cada vez mais alto, e mesmo a uma certa distância os gritos ainda chegavam a mim, quando eu quase não podia ouvi-la mais uma voz grave continuou gritando não o meu nome, mas o de Miguel, sabia que não era mais a minha mãe, pelo tom reconhecia ser a voz da morte.
Com os gritos estrondando meus tímpanos eu forçava meus dedos nos ouvidos tentando tampá-los e não ouvir a terrível voz, com a forte pressão sentia dores e o latejar, mas mesmo tampando com toda a força o nome de Miguel não parava de soar. Corri sem rumo, via as ruas embaçadas e sem destino parei na ponta do viaduto, não queria mais sentir medo, não queria ouvir aquela voz, mas era em vão, pois como das outras vezes parecia que eu perderia o que voz chamava:
— "Miguel."
Suplicava baixinho para que ela parasse de gritar pelo meu irmão e se calasse eternamente, mas as súplicas de nada adiantavam e os gritos pareciam cada vez mais altos, num breve momento de desespero segurei nas barras de proteção e encarei o chão, se eu não pudesse ouvir não teria voz alguma para tirar as pessoas que eu amo, deu um leve impulso para frente e ao sentir o vento frio meu corpo travou e segurei com mais força na barra. Por que eu tinha que fazer isso? Por que as coisas sempre eram diferentes comigo? Por que eu não podia ter paz? Por que eu não podia ser feliz? Por quê? Me perguntava infinitas coisas que não entedia e então veio a horrenda voz com a resposta:
— Porque você tem medo! Medo de tudo, sempre vivendo no raso por medo de ser feliz, de amar, morrer, você tem medo até mesmo de viver.
Não podia ser verdade aquela voz era mentirosa, não podia aceitar o que a voz da morte dizia, via a minha vida passar ao som daquelas palavras comprovando que ela estava certa e que eu nunca soube viver, sempre estive no lado seguro com medo de me ferir. E o que voz realmente queria?
— E o que você quer? Por que está atrás de mim gritando o nome dos meus amigos e tirando eles de mim? E agora chama pelo meu irmão. — Apertei as grandes com tanta força que sentia a ferrugem impregnar em meus dedos, era desesperador como um grito de desabafo. — O que você realmente quer?
— Eu quero vidas, a dos seus amigos, a do seu irmão, a sua!
— O que você quer para deixar o meu irmão em paz?
— Como já disse que quero vidas, mas para salvar uma vida você deve me oferecer outra, uma vida por outra, uma troca equivalente.
Sabia o que o que eu tinha que fazer para salvar o meu sangue, oferecer uma vida podia fazer aquilo terminar, pensei em entregar a minha vida como primeira opção, mas não estava pronto para terminar com todo, a teoria de que eu tinha medo de morrer estava certa, a voz tinha razão em tudo que havia me dito. Matar uma pessoa? Me questionei, o medo me fez pensar nessa terrível possibilidade que me envergonha sustentar essa maldade em meu ser.
A voz queria desde o início que eu enfrentasse a morte, e deixasse meus medos para trás, com uma pesada força sobre as costas posicionei o pé sobre a barra, ao encarar o chão tremulei de agonia, em meu corpo corria um sangue gelado espalhando o horror por minhas veias, mas minha mente estava ciente do que haveria de fazer e colocando a força de levantar quase uma tonelada empurrei meu corpo sobre a barra atravessando-a para o outro lado, lado esse onde a voz calou-se e o silencio zumbia desfalecendo o mundo de todos os medos existentes, pois a morte era o final de tudo até mesmo do medo.
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Os gritos silenciosamente te chamam
ParanormalUma voz me chamou, e eu respondi. Ela ecoava em cores sombrias que traziam o medo, nos ouvidos ela mostrava-se transparente revelando as dores das perdas. Os que caíram, me derrubaram junto trincando o meu coração e elevando a voz sobre a minha cab...