Eu nasci em uma cidade pequena, ao sul do país. Se não fosse pela minha certidão de nascimento, eu provavelmente nem me lembraria do nome dela. Minha família nunca foi muito pobre, mas meus pais, assim como muitos outros japoneses, almejavam a vida mais estável que poderiam alcançar.
Por isso, eu e Osamu não havíamos sequer completado os dois anos quando nos mudamos para Tokyo, o mais novo centro de desenvolvimento econômico e tecnológico mundial.
Não tenho lembranças dessa época, afinal, era jovem demais para guardar tanta coisa. Por isso, por enquanto, irei me basear nas histórias que me contaram meus pais, cujos anos passados em um bairro simples da capital não poderiam jamais ser esquecidos.
A mudança, por si só, foi muito complicada. Tivemos de nos livrar de muitos de nossos móveis e bens, até aqueles que carregavam cargas emocionais altíssimas. Mamãe não pôde levar o espelho de parede que ganhou da bachan, uma semana antes de falecer. Papai deixou para trás seu toca disco de vinil, cuja aquisição se deu por muita barganha com um senhor que gostava de dar calote nos outros.
Certo, não há carga emocional nisso, mas não deixa de ter seu valor.
Os primeiros quatro anos, dizem eles, foram mais difíceis do que poderiam esperar. Mamãe comentava que eles se arrependeram amargamente nesse início, mas já era tarde para arrependimentos. O sofrimento de meus pais para nos manter não poderia ser transcrito para estas páginas em palavras.
Além do mais, não conheço essa dor de não poder cuidar de um filho como realmente se deseja poder cuidar. Minhas palavras seriam vazias de sentido.
As coisas melhoraram no nosso quinto ano na cidade. Papai conseguiu um emprego melhor e eu e Osamu já não os dávamos muitos gastos. Mamãe, além de trabalhar meio período, costurava para famílias da classe média. Juntamos um bom dinheiro e pudemos nos mudar para uma área melhor, onde ficamos até que eu e meu irmão completássemos o ensino médio.
Apesar de não me lembrar de muitas coisas de antes dos meus sete anos, as recordações dos meus pais nos dizendo para valorizar o trabalho e o estudo se mantêm até hoje. O impacto foi estrondoso quando percebi que não poderia me sair tão bem na escola quanto eles gostariam que, assim que completei quatorze, passei a trabalhar meio período.
Sempre pensei que, se não pudesse entrar em uma boa universidade, ao menos não os daria gastos. Eles nunca me impediram de pensar assim.
Por isso, quando desci do ônibus naquela tarde de quinta-feira em um dos bairros mais ricos de Tokyo, xinguei todo o mundo por saber que jamais viveria naquelas condições. Eu me senti angustiado, pensando que todo o meu esforço jamais me levaria a um lugar como aquele.
Depois de andar algumas quadras, parei em frente a uma casa enorme, praticamente isolada das outras. Até hoje, nunca vi casa tão graciosamente harmoniosa. Tinha uma arquitetura tipicamente japonesa, daquelas às quais apenas poucas famílias abastadas tinham condições, e as grandes variedades de plantas deixavam-na ainda mais convidativa.
Parei por cinco minutos, ainda na calçada.
Acelerei os passos para a porta de entrada e bati.
O homem que atendeu à porta não deveria ter mais de trinta anos. Ele usava óculos retangulares de aros finos, os cabelos pareciam recém-lavados e não esboçou reação ao me ver. Deveria ser algum tipo de mordomo. Me analisou por alguns longos segundos antes de perguntar meu nome.
— Você já é o quinto só hoje. Entre.
A grandiosidade daquela sala de entrada era tamanha que me senti minúsculo. As paredes eram sóbrias, assim como todos os móveis e itens decorativos do ambiente. Aquele lugar cheirava a dinheiro.
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o tempo que (não) tivemos | atsukita
Fanfictionshort fic // 1978. Miya Atsumu tem seis meses para amar Kita Shinsuke. "Lembro-me perfeitamente de como meu pai chegou em casa do serviço, ansioso e suando, em uma das noites mais quentes daquele verão, dizendo que tinha encontrado uma oportunidade...