Alice estava sem controle, um fantoche, sentia a sombra curvada que perseguia e perseguia sem parar, viu Anderson perturbado, sentiu as gotas de sangue caindo da sua boca quando sorriu para ele: um fantoche. Sem saber quem a controla e por qual motivo o faz. Mas via sempre mãe e filha, tinha a impressão de que seria deixada em paz se pudesse encontrar as duas, encontrar a mãe, encontrar a filha, com isso teve um lapso, algo repentino, pensou na própria mãe.
Olhou sua mão que batia na porta, pausadamente, três vezes na porta do quarto de Pamela, era como se a mão de outra pessoa estivesse batendo na porta. Alice até sentia o frio dessa outra mão que obrigava ela a fazer isso, um frio cadavérico. Batidas no mesmo padrão que ouvia antes, da mesma forma que a mulher da Catedral tinha feito.
Pedindo para entrar em Alice, pedindo para tomar seu corpo, ela sentia a energia dessa mulher do lado de dentro da porta em que bateu, sentia raiva por não estar no controle das próprias ações.
Vivia uma relação desigual com ela: quando bate na porta, quando é Alice que pede para entrar a resposta é "não."
Pensou em sua mãe de novo, na última vez que se viram. Mãe e filha, perdidas na casa, mãe e filha, sombras na parede. Uma possuída transformada em fantoche enquanto a outra possuída pela culpa se tornou fantoche do próprio sofrimento e seguia Alice, estava curvada, destruída.
Que espetáculo macabro seria este?
Alice foi respondida com prontidão, ela deixou a porta branca e se encaminhou para o quarto ao lado, atraída para o fundo do corredor.
Uma...
Duas.....
Três......
Carlos olhando para a parede do quarto do casal, Alice olhou através da porta.
Tudo começou com uma conversa trivial sobre uma viagem, mas o seu olhar ao descrever desse local apavorou as duas mulheres, Carlos não pôde aceitar, ou pelo menos o que assombrava ele não aceitou de forma alguma.
Alice cortou a cena, mudou, voltou alguns dias, o noticiário, o depoimento da vizinha, um corte rápido, se lembrou da manhã seguinte, mensagens e ligações perdidas de sua mãe, mãe amarrada na cama, filha sendo levada para morrer junto com a mãe, pai ensandecido, possuído por algo que fazia dele um algoz, até ser interrompido e levado pelo Paladino.
Neste ponto em diante, Alice não dirigia mais o filme exibido em sua mente, a porta do quarto se abriu, a sombra atrás dela virou uma mulher mais velha e reapareceu na sua frente.
— Filha?? —
***
Anderson viu seu sangue molhando o rosto de Sherman e escondeu a mão marcada. O mago não se importou e quando levantou vagarosamente exibia uma expressão pensativa. As velas ainda acesas ficaram ainda mais evidentes com as breves oscilações da energia elétrica. O único lugar com luz, as piscadas da lâmpada parecia uma advertência de San Manche sobre o preço exigido e Sherman olhava pra Anderson como um carrasco diante do seu condenado.
— E aí, o que você viu lá? — Anderson não pôde esconder a ansiedade.
— Vi o suficiente! — seu tom amargo fez o Paladino suspirar e desviar o olhar. Sherman recolheu as moedas do chão e ficou pensando sobre Alice.
Aquela sombra que era seguida pela corcunda e os olhos amarelos de San Manche não deixavam sua mente.
— Moço. Você não quer mais brincar comigo, tava tão divertido — A voz de Pamela atravessou a porta — Eu tô com uma coisa que você quer — Sherman também escutava — Interessante esse teu livrinho — nesse ponto sua voz se distorceu — Por que eu tô tão feia nele? Tá com medinho é?? —
Anderson começou a esvaziar os olhos e foi se projetando pra trás. Sherman olhava com desprezo pra sua decadência. Havia pânico no olhar de Anderson e ele começou a se ajoelhar.
— Brinca comigo vai!! —
— O que vocês querem de mim?! —
— Não seja mau, você sabe o que nós queremos não sabe? —
— Foi preciso fazer aquilo, eu só fiz o que era necessário, além do mais isso não vai trazer seu povo de volta, me deixem em paz!! — falou na defensiva
— Ahh mas o meu povo está voltando não está? — Pamela respondeu e neste ponto até mesmo Sherman foi possuído e olhava com os olhos amarelados para Anderson.
— Me perdoeem!!! — Anderson estava deplorável, chorava e berrava. E se encolhia diante de Sherman que se aproximava de forma ameaçadora.
— Perdoar? — a voz de Sherman que era grave e meio rouca, em estado de possessão se tornou mais grave e arranhada, como se as garras de San Manche estivessem rasgando sua garganta.
— Perdoar, trazer eles de volta — continuou — Nada disso!! Eu só quero te atormentar mesmo, estou fazendo isso porque eu posso, assim como você e os seus antepassados puderam nos dizimar.
Você já é meu!!!
Ainda vou me divertir um pouquinho mais com você!
—Não terminamos nossa brincadeira ainda — Pamela e Sherman disseram em uníssono.
Vozes distorcidas em uníssono.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cidade Luz
TerrorNa lúgubre Cidade Luz uma mulher recém chegada de mudança começa a levar sua nova vida, numa manhã quando toma o ônibus para ir trabalhar, recebe um objeto obscuro e o segredo por trás desse item passa a escorrer pelas brechas dos seus traumas. Rev...