- NÃO... Não, não... NÃO PODE SER. - Eu estava pálida, minhas mãos estavam gélidas e a garganta queimando enquanto repetia a mesma palavra várias e várias vezes, como um disco de vinil arranhado.
Minha mãe estava morta. Acabou. Fim. As lágrimas escorriam como cachoeira pelas minhas bochechas alvas, eu estava diante da pior cena que já havia presenciado: Um quarto branco, um corpo estirado, três garrafas de Whisky, dezenas de cartelas de remédios e duas seringas usadas.
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Minha mãe nunca teve muitos limites durante a sua adolescência, foi ai que o vício começou. Primeiro, como um trago, só queria experimentar, depois disso as coisas foram tomando outros rumos e desandaram completamente. Meus avós brigavam demais, por isso, mamãe sempre arranjava um jeito de fugir, uma escapatória, qualquer coisa que a fizesse ficar longe de casa, longe dos gritos e da dor de ver sua família se desintegrando lentamente. Sofreu de depressão durante a sua infância, era muito sozinha, os amigos eram poucos e tão inúteis quanto lâmpada acesa durante o dia.
Engravidou de mim aos dezenove anos e, posteriormente (quatro anos depois, pra ser mais exata), teve a Alice.
Às vezes ela levava homens pra nossa casa, mesmo nunca tendo estabelecido uma relação duradoura com nenhum deles, eram pessoas mais interessadas em usá-la, era quase rotina ouvir os gemidos vindos do quarto que ficava ao lado do meu, dava pra escutar os móveis sendo arrastados, como uma espécie de música ruim se repetindo várias e várias vezes.
Apesar das brigas, eu, Alice e mamãe éramos muito unidas. Confesso que demorou muito pra entendermos o que se passava pela cabeça dela, o quanto se odiava e o quanto se arrependia de tudo que fazia, o quanto se cobrava e se se sentia sozinha porque a nossa família era bem dividida e cada um morava em uma cidade diferente, cada qual no seu canto, na sua individualidade, no seu mundo.
A minha mãe tinha tudo pra ser uma pessoa extremamente feliz, exceto o essencial, aquilo que ninguém pode ver ou julgar, aquilo que chamam de amor.
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Puxei a Alice pelo braço, tentando evitar que ela continuasse dentro daquele lugar e a coloquei sentada no corredor que dava pra sala de estar.
Seu rosto estava completamente corado e os olhos azuis, arregalados, encaravam os meus, negros, em busca de resposta. Eu mal conseguia controlar as minhas palavras.
- A... Alice... - Com a voz trêmula, respirei fundo - Alice, por favor, não volte lá, não saia daqui... Eu... Eu preciso procurar ajuda, estou tão assustada... - Alisei o seu rosto, tentando passar uma falsa tranquilidade, e sai correndo tão rápido quanto um foguete decola.
Dei com a cara na porta do Mauro, um Senhor quarentão, casado, que sabia da situação na qual vivíamos. A sua esposa, também ciente de tudo, nos ajudava com atividades e ensinava piano a Alice, eles eram pessoas extremamente generosas e as únicas que eu tinha por perto.
Abriu a porta, espantado com o barulho que eu havia feito. Ao me ver naquele estado, não fez nenhuma pergunta, nem reparou que Alice não estava comigo, apenas suspirou fundo e me pediu pra entrar, apontando com o dedo indicador para a sala da sua casa, como sempre fazia.
- NÃO, NÃO. EU NÃO POSSO ENTRAR, VOCÊ TEM QUE VIR COMIGO, VOCÊ TEM QUE ME AJUDAR, É O ÚNICO QUE PODE... EU NÃO TENHO MAIS NINGUÉM...
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Helena - Dançando na Lua
RomansaHelena é uma adolescente que vê outro lado da vida quando a sua mãe morre de overdose. Ao ir embora de sua cidade, descobre a paixão pela dança, pela lua e por Bernardo. Com a ajuda deles, Helena tenta sair a qualquer custo do abismo no qual foi jo...