Capítulo 24

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Grande Prêmio do Brasil, 1991.

Completei 31 anos na antevéspera da corrida, mas não quis festa. Meu maior presente seria a primeira vitória no Grande Prêmio do Brasil, ainda mais em Interlagos, uma pista que ajudei a redesenhar e que ostenta uma curva em com meu nome.
A maior honra que um piloto de fórmula um pode ter, é receber uma área do autódromo de seu país, assim como foi comigo em Interlagos.
Na véspera da prova em 1991, eu dominei o treino classificatório e superei as potentes Williams de Riccardo Patrese e Nigel Mansell, que largariam em segundo e terceiro, respectivamente
Dormi cedo e sonhei. Sonhei que corria sozinho e era cada vez mais veloz. Acordei sorrindo e voltei a dormir. O sonho voltou, e agora eu reconheci as curvas de Interlagos a bordo da potente McLaren.
Na manhã desse domingo, eu acordei com um café na cama feito por Vivian, ela preparou um bolo com café e trouxe em nossa cama, saboreamos a refeição e aproveitamos nosso momento juntos, depois, eu fui despertar a Senninha, para irmos todos juntos para o autódromo.
Logo na corrida, eu saí da pole position, e liderei a maior parte da prova com boa vantagem sobre os adversários, aproveitando também os problemas de câmbio de Mansell, que abandonou ainda na volta 59.
De repente, a terceira marcha escapou. Eu tentei engatar então a quarta e ela não entrou. A caixa de câmbio estava quebrando.
Não, não poderia acabar assim.
Senti um frio na barriga. Não lembro se rezei ou se soltou um palavrão na hora. As placas na reta dos boxes me informaram que faltavam seis voltas, e eu mantinha sete segundos de vantagem para Patrese. Respirou fundo e pensei: "Vai dar, vai dar"
Percorri mais duas voltas e vi a vantagem diminuir para quatro segundos. Para piorar, perdi também a quinta marcha.
Foi quando decidi que não olharia mais para as placas e acelerei, apenas acelerou com o que tinha.
Foi quase o fim para mim. Eu precisava mudar as marchas sem passar pela quarta, tinha de fazer um esforço tremendo com o braço. Com isso, além de perder tempo, comecei a ter um desgaste físico maior do que teria já com o acumulado da corrida.
Faltando oito voltas para o final, a única marcha que entrou foi a sexta. Quando eu tentava mudar entrava o ponto morto. Coloquei a sexta e fui em sexta às voltas que faltavam. Na reta tudo bem, mas nas curvas lentas era quase impossível guiar o carro. O esforço que eu tinha que fazer para segurar o volante era maior ainda porque o motor empurrava o carro para fora das curvas lentas. Além desse problema, o motor ficava com numa rotação muito baixa, não tinha potência. Eu via o Patrese chegando, chegando. Procurei mudar meu estilo de guiar para manter as RPM mais em cima, mas para isso eu tinha de ir mais forte para as curvas, segurar o volante ainda mais nos braços, literalmente.
Em minha cabeça, eu pedi ajuda ao Senhor, isso não poderia acabar assim, era minha casa, eu pagaria o preço que fosse necessário para ganhar dentro da minha casa, eu não iria desistir, e não o fiz.
Foi quando senti as primeiras gotas em meu capacete, o cheiro do asfalto molhado chegou ao meu nariz, e eu sorri, Deus me ouviu.
Correr com chuva em interlagos, era como correr no quintal da minha casa.
Patrese forçava para me alcançar Ayrton, e eu tentei o fim da prova, por conta da chuva que só se intensificava, mas nada acontecia, e eu entrei em transe, onde só via o volante e a pista, volante e pista, volante e pista.
Só voltei à realidade quando vi a bandeirada. Aí senti um imenso prazer em viver, em estar em Interlagos, na minha terra e vendo a minha gente feliz. Não foi a maior vitória da minha vida, mas foi a mais sacrificada.
Completamente exausto após quebrar o jejum de nunca ter vencido no Brasil, eu subi no pódio em Interlagos com a bandeira brasileira para a imensa festa da torcida e sequer consegui levantar o troféu devido aos espasmos musculares, mas negociei com meu coração e corpo, juntei todas as forças que me restavam para levantar pela primeira vez o troféu no Brasil.
Se esse era o preço de ganhar no Brasil, foi barato. Valeu!
Quando desci do pódio, fui saudado por minha família, a pequena Aurora abraçou minhas pernas, dizendo: parabéns, papai, você é o melhor de todos.
E o beijo que recebi de minha amada Vivian foi só a confirmação que jamais vou me esquecer desse dia.
E ao escrever esse relato para você que está lendo, eu preciso dizer uma coisa: Seja você quem for, seja qual for a posição social que você tenha na vida, a mais alta ou a mais baixa, tenha sempre como meta muita força, muita determinação e sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus, que um dia você chega lá. De alguma maneira você chega lá.
Agora, eu preciso ir, prometi para a Senninha que iríamos tomar sorvete, como fazemos em todos os domingos que estou em casa, e ela sempre toma sorvete de menta com morango, e vive dizendo que é: Memorano, eu tento convencê-la a provar outro sabor, mas ela não quer, e eu preciso levá-la, nos vemos em breve.

LEGADO - Lewis HamiltonOnde histórias criam vida. Descubra agora