História Geral

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Para um melhor entendimento de todos os assuntos tratados neste livro, é imprescindível que o leitor saiba dos acontecimentos que levaram à estrutura atual do nosso mundo. Apesar de toda a criança no Mar de Psiquê aprender sobre esse assunto desde pequena, esta autora explicará os pontos mais básicos de nossa ilustre História, desde as coisas que parecem mais tiradas de um livro até as coisas que são muito reais.

Assim, nós precisamos começar, é claro, com o Divino, o Deus cultuado pelos anjos e suposto Criador de todo o mundo e Universo. Apesar de não haver qualquer sinal de Sua existência, a nossa própria existência está entranhada nas noções angelicais de que um ser divino de infinito poder criou tudo o que havia para ser criado, inclusive os próprios anjos, que teriam sido a primeira espécie criada e que residiam no Jardim do Éden — também chamada de Céus ou Paraíso pelos mesmos — como os escolhidos desse Deus.

Segundo os anjos, o Jardim do Éden é um lugar de absoluta paz e infinita prosperidade, onde ninguém ficaria doente ou ferido de forma alguma. Entre os anjos que residiam em tal lugar de tão formosa maravilha, a mais bela e mais amada criação do Divino era o anjo Lúcifer, a Estrela da Manhã.

Existem muitas histórias do que aconteceu entre Lúcifer e o Divino, algumas mais populares dizem que a Estrela de Manhã se encheu de orgulho e passou a acreditar que poderia fazer um trabalho melhor que o Divino como regente do Universo, mas a narrativa muda de espécie para espécie: para os demônios, a revolta de Lúcifer aconteceu por causa de um ser divino moralista e arrogante que exigia uma subserviência a Ele que ninguém deveria ser obrigado a dar. Ou seja, para os demônios, Lúcifer foi um revolucionário.

Independentemente da versão, no entanto, todos nós sabemos que Lúcifer foi o responsável pela primeira guerra da qual se tem história — a chamada Guerra dos Céus e Infernos — e por isso, ao serem derrotados, Lúcifer e aqueles anjos que ousaram segui-lo foram expulsos do Paraíso para o lugar que hoje se chama de Inferno, um lugar de fogo e enxofre que não teria misericórdia alguma com aqueles que abrigava e que os transformou nos demônios que conhecemos hoje.

Mais ou menos ao menos tempo que esta terrível primeira guerra, o Divino teria criado a humanidade no Jardim do Éden e os expulsado para a Terra pouco tempo depois (seria de se imaginar que o Divino seria mais cuidadoso com suas criações num momento tão delicado, mas infelizmente não parece que foi isso o que aconteceu). Apesar do aparente descaso de seu Criador, a humanidade floresceu nas férteis terras deste lugar, sobrevivendo principalmente por causa do Mar de Psiquê e seus rios afluentes, antes de expandir para além destes.

Pelo que nossos estudiosos da História e Arqueologia, os professores Sumantra Kasar e Dayaram Parkhi, da Universidade Federal de Shaanti[1], puderam reunir dos restos de história humana, passaram-se mil e quinhentos anos até que os Céus, o Inferno e a humanidade voltassem a se reunir. Nesse meio tempo, a humanidade foi diretamente responsável por grandes avanços tecnológicos e culturais — na altura em que a Ascensão e a Queda ocorreram, alguns seres humanos tinham culturas e crenças completamente diferentes do que os Céus supostamente lhes ensinaram antes que seus ancestrais fossem expulsos. A cultura humana pré-Ascensão e Queda será abordada sexta parte deste mesmo livro, intitulada "Os Países do Mar de Psiquê".

A Ascensão e a Queda foram eventos maiorais dentre os países do Mar de Psiquê e além. Muitas histórias se teceram sobre esses eventos e continuam a serem inventadas até os dias de hoje — contos fantasiosos e heróicos de grandeza, mas aqueles que estão acostumados com esse termo sabem que eles não são realmente precisos: até onde se sabe, a vinda dos demônios (Ascensão) e dos anjos (Queda) para a Terra foi muito mais orgânica — embora extremamente repentina — do que esses nomes dão a entender.

Segundo relatos da época, a chegada dessas espécies, cuja existência grande parte da espécie humana ignorava depois de tanto tempo, foi um choque, mas não envolveu qualquer desastre natural com a terra se abrindo e demônios rastejando para fora da terrível fissura, ou uma chuva de anjos pegando fogo, ainda bem. A verdade é que a chegada de ambas as espécies foi bem mais sutil que isso: segundo relatos dos estudiosos humanos e testemunhas da época[2], os demônios pareceram aparecer das raízes das Montanhas Alpésia, a cordilheira que hoje se estende de Shaanti à Minciuni; enquanto os Anjos desceram dos cumes das montanhas, cada um de um lado, ignorantes que seus mais antigos inimigos estavam mais uma vez vivendo no mesmo mundo que eles.

Por alguns anos, as duas espécies conviveram sem saber da presença uma da outra, prosperando enquanto ambas subjugavam os humanos, tornando-os escravos em suas próprias terras. Algumas das práticas da época perduram até hoje sob novas roupagens, como estuda a doutora em ciências sociais Jasmina Kostic em seu livro "Um Estudo sobre a Condição Social das Espécies"[3].

Quando, duas décadas depois, anjos e demônios voltaram a se encontrar, mais guerras se formaram ao longo dos anos e incontáveis humanos escravizados perderam a vida ao lutarem por seus senhores angelicais ou demoníacos. Foi o sentimento de revolta nascido da dor de perder seus entes queridos em um conflito que não lhes pertencia, além do treinamento necessário para a guerra, que levou nosso às Revoluções Humanas, cada uma com suas características próprias em cada região do Mar de Psiquê e que também serão abordadas mais tarde neste livro.

Mesmo assim, as Revoluções Humanas foram massacradas a princípio e levaram apenas a uma trégua instável entre anjos e demônios, algo que significou ainda mais trabalho e sofrimento para a espécie humana. Por alguns séculos, tudo continuou igual, até que outra revolução aconteceu — a Revolução dos Mestiços, em que bastardos de anjos e demônios com humanos, nefilins e bruxas, foram usados pelos humanos para se rebelarem mais uma vez contra a opressão dos anjos e dos demônios.

Dessa vez, os humanos alcançaram no território dos demônios e o rei Nicephorus Ypéroch, descendente direto de Lúcifer e rei de todos os demônios, decretou que os humanos fossem todos libertos, sem qualquer exceção. No entanto, é importante notar que, uma vez que conseguiram sua liberdade, os humanos passaram a ter que arranjar seu canto em um mundo dominado e do qual já não eram mais senhores, o que os levou à pobreza extrema e à marginalização, como nota o pesquisador de campo Constantino Panosis, em matéria do jornal O Diário de Lúcifer, "Nikaés Pós-Abolição: A Luta pela Dignidade Permanece"[4].

Nesse momento, com a cisão cultural entre demônios e anjos, o mundo voltou a ficar instável e a ameaça de uma guerra pairava no horizonte como nuvens de tempestade no mar aberto: com a ascensão de seu comércio agora que humanos também eram parte do mercado consumidor, os demônios passaram a tentar exigir de nações angelicais a abolição da escravidão em seus territórios também. É fácil deduzir que tal exigência não foi bem vista pelos anjos.

Mas o mundo estava mudando e, logo, com sua produção sendo constantemente atacada e rejeitada no Mercado, os países angelicais começaram rapidamente a empobrecer, ficando cada vez mais abertos para conquista. E foi exatamente isso o que aconteceu: no ano de 1223 Pós-Ascensão, o centro do domínio demoníaco na Terra, Nikaés — que já havia adotado o nome que usaria até hoje, embora seu território fosse muito mais amplo — invadiu o reino que hoje se chama Bellum, o lugar que era o coração flamejante dos anjos na Terra, uma vez que sua Queda ocorrera bem ao lado, nas Montanhas Alpésia.

Por quase um século e meio, Nikaés dominou Bellum a seu bel prazer, usando mão de obra barata dos anjos para seus próprios caprichos — a falsa moralidade quanto à escravidão de seus antigos inimigos não passou despercebida a esta autora, é claro — e levando os anjos para o território de Nikaés, algo que nunca ocorrera antes.

Então surgiu a figura de Pedro Vega, um anjo que, segundo boatos da época, descenderia do próprio Arcanjo Miguel, máxima autoridade entre os anjos na época da Guerra dos Céus e Infernos e aquele que derrotara Lúcifer, finalmente mandando-o para o Inferno. Se tais boatos eram verdadeiros, não se sabe até hoje, apesar de, após expulsar os demônios do território de Bellum, Pedro ter sido coroado rei e sua linhagem permanecer até hoje no trono e no comando de Bellum.

É com a mistura de espécies que a Conquista de Bellum em 1233 P.A. proporcionou que o mundo começou a ver o crescimento expressivo de espécies mestiças em todos os lados do Mar de Psiquê. O aumento dessas espécies estranhas — que são constituídas por bruxas, nefilins e ouralasi — trouxe também uma grande mudança de pensamento: enquanto os mestiços eram regalados ao pior status social, os humanos começaram a ascender. Afinal, para que alguém esteja subindo, muitos alguéns precisam estar sustentando a base de tudo.

Infelizmente, mesmo que tenham existido vários movimentos com o passar dos anos a favor de mais direitos para estas espécies mistas, é preciso falar que elas ainda não receberam o tratamento adequado de criaturas completas e cidadãos conscientes dos países dominados por demônios e anjos.

Veremos mais sobre elas no próximo capítulo:

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