𝖯𝗋𝗈́𝗅𝗈𝗀𝗈

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𝐉𝐀𝐏𝐀̃𝐎.

AS COISAS ERAM DIFERENTES FORA DA CAPITAL. As grandes casas dos lordes eram substituídas por pequenas construções de madeira branca, as calçadas eram em sua maioria de terra compactada, nada comparado às ruas de Kioto. As crianças andavam pelas ruas com suas vestimentas simples, com um sorriso belo no rosto, única coisa que conseguia observar pela fresta da janela daquele bar. Naomi suspirou cansada, tinha feito uma longa viagem até aquele lugar.

Seu pai, Yasuke, era um grande samurai, servindo ao seu senhor com gratidão, mesmo que fosse um estrangeiro em suas terras. Algo inédito aos olhos de todos, mas o imperador percebeu a grandeza daquele ex-escravo dando-lhe uma oportunidade. Às vezes o fitavam com descrença, ou receio, no entanto  os olhos de sua filha cintilavam em admiração. Ele a ensinou desde cedo a manejar uma espada, sorrindo quando a pequena não conseguia carregá-la devido ao peso.

Naomi sempre viveu na capital junto de seus pais, sua mãe era uma uma mulher simples, filha de comerciantes, nascida no Japão, enquanto seu pai veio de longe, uma terra perdida no ocidente. De sua mãe tinha apenas o sorriso, com seus cabelos um pouco mais definidos do que os de Yasuke.

Com a pele preta em seu ápice, a menina herdou suas características: Um nariz mais avantajado, olhos arredondados, a pele melânica, além de seus cabelos que além de longos, possuíam cachos mal definidos. A paz reinava, mas após aquela invasão as coisas mudaram. O  general do exército os traiu, deixando uma onda de chamas e ruína por onde passava.

Diziam que tinha se unido aos homens brancos vindos a negócio no Japão atrás da comercialização armas, carne e ópio ── planta usada para vários remédios ── àquela altura, ninguém gostaria de ter nascido como uma aberração, um japonês de sangue impuro, um mestiço. Aquele era um sinal de vergonha que carregaria até a sua morte.

Com seus pais mortos, Yasuke pelo código samurai, e a sua mãe Aki pela depressão não teve muitas escolhas, se não aceitar o plano de fuga do imperador. O homem derrotado antes de sua morte pediu a um servo qualquer que a levasse para um lugar seguro, o mais longe possível da capital. Eles viriam atrás dela, pela intolerância a matariam gratuitamente, deveria se esconder. O imperador apenas não esperava que seu servo era mais um do corrupto, tomando o dinheiro da proteção de Naomi para si e comercializando a garota como uma qualquer.

Estavam em uma vila distante, próxima a uma montanha. O servo conversava com oque seria seu novo senhor, um homem grande, de traços brutos e cenho nada amigável. O mesmo a encarava com desgosto, querendo saber onde levaria tudo aquilo.

━━  Não acho que ela seja realmente atrativa para esse mercado ━━ o homem passou uma mão em sua barba, negando com a cabeça ━━ Mas até que é alta para a idade ━━ percebeu, chegando mais perto.

Seus cabelos negros estavam despeteados, Naomi  usava o mesmo kimono azul a dois dias. Não tinha certeza do que fariam consigo, mas talvez fosse trabalhar na parte de limpeza em alguma casa, ou nos campos com os agricultores.

Lembrou-se das palavras de seu pai, relatando como seu povo havia sido tomado de sua terra natal, servindo a homens brancos que os maltratavam diariamente, com castigos desumanos, para pior. Seu corpo tremeu, voltando a encarar a janela aberta, precisava distrair sua mente.

━━ Bote ela onde quiser, tem braços fortes pra trabalhar nos campos, e seu rosto é redondo, alguns homens tem gostos peculiares  ━━ o outro deu de ombros, sorrindo ladino.

━━  O tom da pele é esse mesmo? Isso não é tinta? ━━ torceu o cenho  em desagrado, curioso pela tonalidade escura.

Por algum motivo, muitos de fato não acreditavam que aquela era sua cor original, falavam que estava manchada. Outras pessoas até mesmo já encostaram em si pelas ruas, querendo saber se a tonalidade sairia o'que não fazia efeito nenhum. Por vezes também questionavam se não era alvo de alguma maldição, algum pecado impregnado em sua pele.

𝐎𝐂𝐄𝐀𝐍 𝐄𝐘𝐄𝐒 ──  𝖲𝖺𝗆𝗎𝗋𝖺𝗂 𝖽𝗈𝗌 𝗈𝗅𝗁𝗈𝗌 𝖺𝗓𝗎𝗂𝗌Onde histórias criam vida. Descubra agora