Capítulo II

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A confiança, de certa forma sarcástica, mas interessante demais para deixar passar, era nova à minha perspectiva acerca dos Amice. Obviamente e possivelmente, aderi a ideia de que esta súbita disposição para com aqueles novos olhos os quais nunca antes havia visto estava relacionada diretamente ao fato mencionado. A postura sem igual, os cabelos penteados na mais "ordenada ordem", apesar dos poucos fios sobre a testa, e os olhos eram típicos de todos os homens da família. Contudo, devo confessar, seu olhar totalmente inusitado para meu conhecimento dispertara-me um -pontual- inclino para dizer sim.

O que não notara, caríssimo leitor, era que, no pouco tempo em que passeava pelas minhas curiosidades, a mão enluvada havia, rápida e espertamente, tomado a minha, aproveitando-se da falta de resposta. Normalmente - e também por certo- eu poderia tê-lo empurrado, mas não o fiz. Acompanhei-o até a pista, onde sua mão repousou sobre a cintura enjaulada pelo corset tão deveras sufocante - malditas sejam as tradições-, e a outra uniu-se à minha esquerda. Olhou para mim:

- Parece que um gato comera sua língua.- disse, divertido, enquanto eu acordava do meu devaneio.

- Apenas percebi que recusar a súplica por dançar de um dos anfitriões da festa não seria adequado.

- Súplica? A senhorita praticamente entregou-se aos meus braços. - sua sobrancelha, neste momento, levantava-se, mostrando seu ar tão cheio de si mesmo, típico.

- Nunca, Vossa Alteza.- falei, e logo, a música começou.

Esta música, em específico, era uma das características únicas do grande salão dourado. Conhecida pelo trabalho ímpar do violino, sua aura costumava levar os convidados, assim afirmava-se, para um recanto de paz e encantamento. Era sólida, entretanto, de jeito nenhum sem personalidade, posso confessar-lhe. Músicas de tal tipo, porém, poderiam ser encontradas em toda Ibérica, ainda assim, os Amice faziam primordial trabalho em encher-se de si, gritando metaforicamente a todos os mares sua "autenticidade".

Os cumprimentos, entre dama e cavalheiro, eram os mesmos. Nada que eu não pudesse adaptar-me. E, desta maneira, a dança iniciou-se silenciosamente entre nós dois. Digo que, naquele momento, estavam em mente os segmentos dos planos e, claro, se possuiria uma boa garrafa de vinho do próprio monarca até o fim da noite. Contudo, novamente, meus pensamentos foram interrompidos por o tal Amice em minha frente.

- Sabe, não sou anfitrião esta noite, penso até que nunca serei,- pausou, refletindo algo internamente ao olhar de forma rápida para o lado- pelo menos daqui.

- O que lhe faz pensar de tal jeito? É um Amice, logo...

- Sou, não sou? Apesar disso, a senhorita mal me reconheceu, tirando o fato de meus olhos terem me entregado.

- Realmente, posso confessar, e espero não te ofender, mas não o conheço.- sorri de lado, enquanto ele também soltava uma risada baixa divertida.

- Poderia até contar meu nome, porém, não me contas o seu.

- Já lhe falei, sou Lady...

- Não, não é, querida. Mas deixe, não é uma preocupação minha, pelo menos por agora.

Seus olhos ainda me fitavam com certa curiosidade, apesar de, em nenhum momento, parecer realmente estar no ímpeto de descobrir-me. 

- Sabe...- dei uma breve pausa- ainda não me respondeu, Alteza. Não és o anfitrião por quê?

- Pensara eu que tinha conseguido escapar de suas dúvidas.

- Parece, então, que não é somente Vossa Alteza quem sabe observar bem.- olhei-o, este Amice não era tão insuportável quanto os outros, mas talvez fosse apenas por ser novo aos meus olhos. Logo, conclui, iria cansar-me deste também.

- Estudos. Viagens. A linhagem da minha família, como deve saber, é ampla. Sou um dos esquecidos filhos de nosso rei, nem perto de chegar ao trono. Entretanto, jamais pense que sinto certo remorso por isso, escolhi esta vida, afinal, por que perder a oportunidade de conhecer um mundo tão bonito somente por um salão tão dourado a ponto de doer os olhos?

- Realmente... É horrível este dourado por todo lado.- sorrimos.

AstridOnde histórias criam vida. Descubra agora