- Estão indo pela direção Sudeste do Castelo!- gritara um dos soldados os quais tinha eu conhecido naquela tarde, seu nome era Timóteo, novíssimo condecorado pelo rei Lavin.
Olhando incrédulo para meu pai, que estava com uma óbvia face confusa entre estar convencido pelos seus medos serem verdade ou deixar os mesmos medos aflorarem pela pele. Rapidamente, subi as escadas do grandioso Salão Dourado, agarrando, assim que virei o corredor, uma das espadas presentes nas armaduras também douradas.
Sem sequer duvidar acerca das direções, apesar de não estar naquele castelo, o qual um dia fora meu lar, por dez anos, segui em direção ao sudeste do mesmo. Passei pela óbvia conexão central, onde havia a Sala do Trono com seus inúmeros lustres radiantes, paredes mergulhadas pelas mais diversas pinturas de tantos monarcas antes de Lavin. Por um breve momento, senti-me impelido a permanecer, relembrando o quanto adorava brincar, quando criança, com o tapete verde do Centro, o que levava diretamente ao trono, porém, para a diversão de uma criança, era somente um perfeito local para cambalhotas. Não, concentre-se, pensei. Atravessando sem mais uma só parada o Salão, do norte, de onde eu viera, para direção leste.
Já na Ala Leste, percebi certo silêncio intrigante, apesar de reconhecer que obviamente eram meus ouvidos acostumando-se com o ambiente, momentos antes estava eu num salão lotado. Mas, era algo mais. O corredor principal desta ala era diferenciado, com menos janelas, prevendo possíveis assaltos, e possuindo apenas algumas nuances, as quais eram, respectivamente, um pequeníssimo corredor, onde havia o primeiro cofre, com as chamadas "Joias Diárias", ou seja, aquelas usadas para eventos públicos; uma cúpula principal com três salas que contornavam o círculo e uma porta de ferro à frente, que abria ao corredor; e um último corredor, um pouco maior, mas um tanto desnecessário. Tendo em vista que as Joias Diárias eram, de fato, postas nos próprios cofres pessoais da Família Real, e que o último corredor era o único mais à Ala Sul, com uma conexão interna ao seu fim, segui para lá. Enquanto corria, notava que os guardas tinham todos sumido, um tanto extraordinário para os Guardas da Ala Leste, o que me fez enfim concluir a excentricidade da situação: Timóteo era o único soldado até então presente da área, não deveria ter deixado seu cargo, e sim contatado pelos corredores adjacentes à Sala do Trono. Foi então que, de repente, lucidez: não haviam soldados na Sala, nem na beira do corredor que conectava a ante sala do Salão Dourado com a Sala do Trono. Ele estava, por certo, desesperado. Além disso, também notei a falta de meus irmãos em meio aquele desespero, onde estariam eles? Guardei o pensamento para mais tarde.
Finalmente, ao fim do corredor principal da Ala Leste, virei-me à sua última abertura, aquela com conexão ao Sul do castelo. Nela, havia também uma janela chamativa, que encerrava o corredor. Era bonita e adornada com detalhes dourados, contrastando com seu encosto verde musgo, assim como o tapete da Sala do Trono. Ao longe, por entre a vidraça, conseguia eu ver uma figura, com cabelos ao vento e uma sacola na mão.
Correndo, porém procurando fazer o máximo de silêncio, atravessei o local, abrindo a janela, a qual era uma abertura de perfeita altura para o telhado triangular do primeiro andar do castelo, mas não se engane: apesar de ser possível andar por ali, aquela figura não ousaria pular, já que o castelo se encontrava na parte alta da Capital, logo, aquele ponto estava à beira da Floresta Vasta.
A figura olhava para baixo, como se esperando algo ou alguém, porém, notando minha presença, apesar de até o momento não saber como, ela virou: lindos cabelos castanhos levemente ondulados encontravam-se com o vento, um corpo vestido por um sobretudo de couro preto, marcado por um corset marrom em cima, e uma leve abertura que mostrava uma blusa branca típica de camponesas embaixo. Logo, dando uma última olhada nas botas, percebi, era uma pirata.
Pela escuridão da noite, seu rosto não era completamente decifrável, até porque, é bom refletir, ela estava na beira do telhado.
- Devolva-me a sacola de couro e poderá ser poupada.
- Duvido muito.- aquela voz...- Prefiro uma luta justa, que tal, Vossa Alteza?
- A senhorita... Vejo agora porque preferira aderir aos moldes antigos da Noite de Socapas, Lady Hawice.
- Vejo, então, que não és tão tolo quanto seus irmãos, eles não me reconheceriam a centímetros de distância.- falou sem pestanejar, sem medo, enquanto eu lentamente também me aproximava do precipício.
- Reconheço que são deveras tolos, mas como diabos teriam de a identificar? Até onde tenho consciência, não me recordo de ver nenhuma sinalização com seu rosto, e apenas assim sabemos que um assaltante fora identificado. Não os culpe.- virei levemente a cabeça de lado, como num sinal de perdão nada sincero.
- Tão ingênuo, mas certamente adoro esta linha de pensamento óbvia, mas necessária.- disse com certo riso, estava se divertindo.
- És, então, a "conspiração" que meu pai tanto fala?
- Eu? Obviamente não. Sou uma assaltante comum, não estaria aos pés de conspirar politicamente com o monarca.- falou, contudo, era notório seu incômodo de se rebaixar durante a fala.
Assim, em seguida, aproximei-me mais um pouco, meio metro nos separando. Neste momento, era possível observar seu rosto. Os mesmos olhos chocolate que haviam me encantado no salão, mas agora o resto do rosto estava liberto das penas. Nariz comum, nem pequeno, nem grande, à medida certa de seu rosto, lábios cheios, pele morena como uma castanha.
Num movimento rápido, apesar de estar perdido nos detalhes interessantíssimos de seu rosto, encostei a espada dourada em na altura do seu colo, onde não havia corset ou couro.
- Entregue-me a sacola.
- Nunca, Alteza.- disse, sólida e certeira.
De maneira ligeira, forcei a espada contra seu pescoço, quando algo extraordinário ocorreu: a espada atravessara seu corpo como se houvesse um buraco em seu colo, quero dizer, realmente havia um. O ar tinha aberto quase seu pescoço, e ela estava plena:
- Sinto muito, Alteza, mas tenho de ir.
E então, pulou do abismo, e seu corpo desapareceu como se fosse o próprio vento que me rondava.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Astrid
FantasyNa antiga e misteriosa Ibérica, uma figura deveras interessante, surgida de maneira ainda não conhecida, decide que era hora da tão inabalável dinastia Amice sair do poder. Assim, numa aventura que percorre as águas do Mediterrâneo, Astrid está pron...