Art Deco

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Verônica Torres
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Era uma noite como qualquer outra na delegacia de São Paulo, mas o ar estava carregado com uma tensão que só poderia ser cortada com uma faca. Eu, Verônica, que nunca pensava duas vezes antes de falar, estava sentada à minha mesa, cercada por pilhas de papelada e o som monótono do tique-taque do relógio. Mas então ela entrou, Anita, a delegada loira, arrogante, fria e absurdamente linda que comandava o lugar como se fosse seu próprio reino.

Ela passou por mim com seu perfume caro, deixando um rastro de Chanel no ar, e eu não pude deixar de pensar na letra de "Art Deco" da Lana Del Rey. Anita era como uma daquelas garotas da música, "uma obra de arte deco", que sabia que era bonita e não tinha medo de usar isso a seu favor. Ela tinha todas as pessoas aos seus pés, mas nunca dava a ninguém o que queriam. E eu? Eu era apenas uma espectadora, assistindo ao show dela, secretamente admirando sua força e determinação, mesmo que ela nunca soubesse.

— Verônica, preciso que você venha comigo. — Anita disse, sua voz tão fria quanto o gelo, mas com um toque de urgência que raramente ouvia.

Eu a segui, meus passos ecoando contra o chão de mármore, perguntando-me o que poderia ser tão importante.

Ela me levou a uma sala de interrogatório, onde um suspeito esperava, suas mãos tremendo de nervosismo.

— Preciso que você anote tudo. — Ela ordenou, e eu obedeci, minha caneta voando sobre o papel enquanto ela fazia suas perguntas, afiadas como lâminas.

Mas enquanto eu escrevia, não pude deixar de notar a mudança nela. A arrogância havia desaparecido, substituída por uma concentração intensa. Ela estava no controle, sim, mas havia uma paixão por justiça ali que eu nunca tinha visto antes. E foi nesse momento que percebi que havia mais em Anita do que a fachada de gelo que ela mostrava ao mundo.

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Após o interrogatório, Anita e eu nos encontramos sozinhas, o silêncio da sala pesando sobre nós como uma manta de veludo. Ela se aproximou, seus passos medidos ressoando com autoridade. Eu levantei o olhar, encontrando os dela, e por um momento, o mundo lá fora desapareceu.

— Você sempre me surpreende, Verônica. — Ela começou, sua voz suave pela primeira vez. — Sua paixão por justiça... é refrescante.

Eu sorri, um pouco desconcertada.

— E você sempre me mantém alerta, Anita. Sua frieza... é um desafio.

Ela riu, um som cristalino que parecia deslocado em seus lábios.

— Frieza? Não, querida, é apenas foco. A justiça exige isso de nós.

— Mas o que a justiça exige de você, Anita? Além do que todos veem?

Ela hesitou, então se sentou ao meu lado.

— A justiça... ela exige tudo. Meu tempo, minha alma, até mesmo minha humanidade às vezes.

Eu a observei, a mulher de ferro mostrando um vislumbre de vulnerabilidade.

— E o que resta para você, depois que a justiça leva tudo?

— Resta... a esperança de que o que faço vale a pena. Que no final, o equilíbrio será restaurado.

Nossos olhares se encontraram novamente, e algo não dito passou entre nós.

— E você, Verônica? O que te move?

— A Verdade. — Eu disse simplesmente. — A verdade crua, mesmo que doa.

Anita assentiu, como se entendesse perfeitamente.

— Então somos duas buscadoras da verdade, cada uma à sua maneira.

— Sim. — Eu concordei. — Duas metades de um todo, talvez.

Ela se levantou, a armadura voltando a se fechar em torno dela.

— Você é como uma pintura, Anita. — Eu disse, minha voz quase um sussurro.  — Uma obra de Arte Deco, cheia de glamour e tristeza.

Ela me olhou, surpresa por um momento, antes de um sorriso enigmático surgir em seus lábios.

— E você, Verônica, é a que dá vida à obra. Impulsiva, vibrante, real.

Nós duas rimos, e o som se espalhou pelo espaço vazio, preenchendo-o com uma energia nova.

— Sabe, todos dizem que sou arrogante. — Anita confessou. — mas talvez seja apenas uma armadura contra o mundo.

Eu sei. — Eu respondi. — Todos dizem que sou impulsiva, mas talvez seja apenas minha maneira de sentir que estou viva.


Ela assentiu, e por um instante, a delegada loira, arrogante e fria desapareceu, deixando apenas Anita, a mulher com sonhos e medos.

— Você me entende, não é, Verônica?

Eu, Verônica, a escrivã impulsiva, sentia o calor da minha própria respiração, contrastando com a frieza dela.

— Você é como uma festa de Gatsby. —Eu disse, minha voz tremendo com uma emoção que eu não ousava nomear. — Tão deslumbrante e intocável.

Anita sorriu, um sorriso que não chegava aos olhos.

— E você, Verônica, é como o fogo que arde sem se ver. Tão quente e selvagem.

Nossos olhares se encontraram, e por um momento, o mundo parou de girar.

— Você acha que somos apenas personagens de uma música, Anita? Destinadas a nunca nos tocarmos?

Ela deu um passo à frente, diminuindo a distância entre nós.

— Talvez sejamos mais do que isso, Verônica. Talvez sejamos as autoras de nossa própria história.

Eu podia sentir o perfume dela, uma mistura intoxicante de poder e mistério.

— Então vamos escrever um final diferente,eu sussurrei.

Anita assentiu, e então, como se movida por uma força maior do que nós, ela se inclinou para mim. Seus lábios encontraram os meus em um beijo que era ao mesmo tempo suave e revolucionário. Era um beijo que falava de lutas e vitórias, de barreiras quebradas e mundos descobertos.

Quando nos separamos, havia uma nova compreensão entre nós. Não éramos mais apenas a delegada e a escrivã; éramos Anita e Verônica, duas mulheres unidas por algo mais profundo do que a lei.

E enquanto a noite se desvanecia em tons de cinza e azul, sabíamos que aquele beijo havia mudado tudo. Tínhamos encontrado a verdade, não apenas nos casos que resolvíamos, mas uma na outra.

Espero que gostem!!!

One Shots VeronitaOnde histórias criam vida. Descubra agora