Jez

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     Jez Amani nem sequer conseguia lembrar se gostava de dançar. Alguns dias ele achava que sim. Outros ele tinha certeza que odiava.

Nunca tinha sido sobre amar, isso ele sabia. E sim sobre desespero. A dança era tão parte dele como seus braços ou sua obsessão por limão. Era simplesmente quem ele era.

E talvez as drogas fossem consequência disso. Ele não tinha começado a usar para recreação. Não. Seu objetivo desde o início era se manter acordado por algumas horas a mais. E treinar mesmo quando suas pernas protestavam. Tinha que compensar a falta de talento natural com alguma coisa.

Nunca fora rico, como Akio. Não tinha uma família para pagar aulas e alugar estúdios, para práticas, fora do horário. Não.

Saiu de casa aos quinze, todo o dinheiro que pode encontrar escondido em seu bolso, e ir para a capital, falsificar uma identidade para que pudesse começar a trabalhar e alugar um quarto pequeno.

E nunca se mudou. Eu odiava aquele lugar. O quarto minúsculo sem janelas e cheiro de mofo persistente parecia demais como um caixão.

E para alguém, como eu, que não pode morrer, a sensação foi sufocante.

Mas não era como se Jez passasse lá mais de duas vezes por semana. Acostumado a dormir no chão gelado do estúdio. Talvez até por força de vontade minha, que ele ficasse o mais longe possível de sua casa, para que eu não tivesse que o seguir para saciar minha curiosidade.

Quando Jez conseguiu o emprego para dançar em uma boate nojenta, com chãos grudentos que nunca secavam e cheiro de vômito, ele segurou a vontade de chorar e subiu no palco. Pelo menos era dinheiro. Pelo menos ele teria o que comer amanhã e um lugar para dançar na semana seguinte.

Não era fácil, roupa especial, remédio para dor, comida o suficiente apenas para não desmaiar. E o dinheiro quase não dava.

Não era fácil.

Não era fácil chegar duas horas antes na academia de dança porque não tinha dinheiro para a passagem de ônibus extra que custaria ir para casa.

Não era fácil ver Akio chegando no horário certo com seu carro esportivo e rosto concentrado.

Não era fácil ver os passos perfeitos e sincronizados que ele dava. Não importava quantas vezes eles repassavam a coreografia.

E tudo era ainda mais difícil porque Jez não conseguia parar de admirar ele.

Era impossível. Com sua dedicação e postura que mostrava que ele não estava ali para fazer amigos.

Akio com sua linda mãe cantora de ópera enquanto ele nem conheceu a sua. Akio com seu pai bilionário que pagava tudo o que ele quisesse. Enquanto ele contava em uma mão as vezes que seu pai tinha lembrado de seu aniversário.

Talvez por isso Jez tenha ficado um pouquinho contente demais, quando os pais de Akio, acabaram descobrindo gravações do namoro do menino e o expulsaram. Uma chantagem mal sucedida e ele fora arrancado do registro familiar, sem dinheiro, ele era ninguém. Exatamente como Jez.

E agora quando estava no frio esperando a professora chegar, ele via Akio virando a esquina a pé. E quando todos saem para beber água, onde antes ele tomava suas vitaminas caras, agora ele abria a torneira.

E Jez percebeu ali uma brecha. Ele nunca teve a chance de ser o melhor. Até aquele momento.

Começou a gastar mais consigo. Comprou elásticos para copiar sessões de fisioterapia para aquele tornozelo que incomodava. Sapatilhas com menos buracos e comida de qualidade.

1999Onde histórias criam vida. Descubra agora