Capítulo 2

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Andrei lia um jornal sentado no chão com as pernas cruzadas. "Mulher encontrada morta, causa ainda desconhecida" quando Calen chegou perto.

ㅡ É suicídio. ㅡ Andrei o olhou e ele deu de ombros ㅡ É sempre suicídio quando eles não especificam o que foi. Acham que encoraja os outros.

E voltou a se encostar no espelho chupando o pirulito.

Ele estava certo.

Eu me lembrava bem daquela mulher porque tinha me atrasado para recolher sua alma, distraída vendo mais um ensaio interrompido em briga. Chegando lá a mulher estava ensopada. Afogamento. Não era como os loucos do milênio, essa mulher estava sofrendo de depressão pós parto e não aguentava mais olhar para seu filho e resolveu se segurar na banheira até perder os sentidos. E quando eu cheguei ela estava olhando para o berço de seu bebê dormindo pacificamente, eternamente pingando e seu vestido grudado ao corpo. Fomos embora a tempo de escutar o grito de seu marido. Anos depois a menina que ela tinha dado à luz virou uma grande ativista pelas causas das mulheres.

Eu olhava bem de perto o garoto que ainda estava de pé e o com as pernas cruzadas como se tivesse todo o tempo do mundo. Achava isso fascinante. A total ignorância humana. E eles alienados a tudo. Isso até Jez chegar e bater em sua mão fazendo o doce voar.

ㅡ Você não está comendo açúcar agora né!? ㅡ Então ele apontou para a minúscula claraboia que eles tinham como única fonte de luz natural. Estava escuro. Com certeza já passava das oito.

Calen tentou se aproximar de Jez com um biquinho de açúcar vermelho, ele se afastou e Andrei deu risada se levantando. Colocou a manchete ao lado oposto da sala, do lado com uma fita. Era o sexto dos últimos meses. Era um hobby e estranho esse de colecionar matérias suicidas. E Andrei tinha quase certeza que Akio tinha começado com isso muitos anos atrás. Por que eles continuavam com isso ele não sabia. Mas esse ano a coleção estava aumentando às pressas.

ㅡ Se eu tiver que ler mais uma matéria sobre Nostradamus vocês vão pendurar a minha capa na parede. ㅡ Jez disse. Ser sociável era um sacrifício que às vezes se obrigava.

ㅡ Você não acredita que o mundo vai acabar? ㅡ Calen agora estava deitado as pernas esticadas no espelho e desembrulhava outro pirulito que tinha tirado do bolso. ㅡ Nem um pouquinho?

"Aos 1999 chegará e aos 2000 não passará" ㅡ Andrei falou em voz profética o mais caricato que pode.

ㅡ Quem me dera o mundo acabar. Assim teríamos sorte de não sermos humilhados no concurso de primavera já que vocês fazem tudo menos treinar.

ㅡ Eu acredito um pouco no Bug do Milênio. ㅡ Calen disse olhando para cima com um olhar perdido como se Jez nem tivesse falado ㅡ Quero dizer, olha isso. Não é possível que essas máquinas não vão travar.

Jez riu debochado.

ㅡ Ok, não sabia que você era técnico, especialista em computação.

ㅡ Ontem eu vi mais uma senhora saindo desesperada com o kit de sobrevivência dela. ㅡ Andrei finalmente foi até as barras e começou a se alongar. ㅡ Olhava para os lados como se alguém fosse aparecer do nada para roubar o balde que ela vai usar de banheiro.

ㅡ Sabe o que me dá alegria? Pensar o quão ridículos eles vão se sentir quando não acontecer nada.

ㅡ Abrindo seus olhinhos na linda manhã de primeiro de janeiro e vendo que o mundo continua a mesma porcaria do dia anterior. ㅡ Calen falou ainda olhando para cima.

E o impulso de Jez foi chutar sua cabeça assim que percebeu outro doce em sua mão.

ㅡ Você está testando minha paciência?

1999Onde histórias criam vida. Descubra agora