Prólogo

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Faz muito tempo, mas ainda me lembro de cada detalhe. Mirai Haiseky era uma garota de aparência comum no bairro dos humanos, estava cursando o último ano do ensino fundamental, como todas as outras meninas. Era esforçada, apesar de não ser muito inteligente; tinha cabelos castanhos, olhos cor de mel, e pele clara, de estatura mediana. Nem alta, nem baixa, nem gordinha, apenas magrinha, dentes levemente tortos.

Mas havia algo que a destacava entre todas as outras, algo que adornava seu cabelo de forma simples, infantil e ridícula. Eram dois laços de fita vermelha, que estavam na sua cabeça desde o início, ao fim do dia. Essa característica marcante fazia com que todos a conhecessem na cidade.

Na realidade, conheciam Mirai pelos laços na cabeça, e não pela história trágica que ela tinha. Os humanos tinham o dom da memória fraca; acontecimentos que apareciam, vinham e iam, sendo esquecidos no fundo, de suas mentes. Uma vez ou outra iam para a frente do cérebro, mas ainda assim, voltavam para o mesmo lugar esquecido, escuro e frio.

E por falar em frio, era um daqueles dias gelados, um fenômeno conhecido em Vamccor como "ralem gelo" estava prestes a acontecer por ali, uma situação curiosa, mas comum, onde a neve caía sem qualquer explicação fora de época, costumava durar até três dias. Mas isso não era a única coisa estranha no mundo de Vamccor. Esse mundo era governado por vampiros, uma raça muito evoluída. Entre eles, havia os mestiços e os humanos. Nessa hierarquia, os vampiros estavam no topo, os humanos no meio e os mestiços, os escravos, embaixo dessa pirâmide social.

(...)

— Droga, não acredito que esqueci minha blusa de frio no guarda-roupa... - Mirai se apressou para entrar no seu colégio e viu os aplicadores daquela prova importante que determinaria o seu futuro.

Se tirasse uma nota superior a 70, poderia continuar seus estudos e finalmente entrar para o colegial. Mas se falhasse, nunca mais poderia estudar em uma escola novamente... Esse era o terrível destino dos humanos.

— Nome? - O homem perguntou, parado na frente da porta.

— Mirai Haiseky, senhor...

— Certo, mesa 24.

— V-vinte e quatro?!

Esse era um número de azar em Vamccor.

— Próximo!

Mirai se apressou entrando na sala, estava nervosa demais com o que logo iria acontecer. Olhou ao redor e viu dois colegas conversando; um deles estava com um caderno na mão.

Mirai mordeu o lábio frustrada; aquela colega era uma Junker, uma humana privilegiada. Esses humanos, chamados de Junkers, são a elite dos humanos, devido ao seu status na sociedade. Tinham muito dinheiro por serem de famílias ricas e antigas. E aquela Junker, no meio da sala de 39 alunos, faria a prova com direito a consulta!

Mirai agitou os pés ansiosos debaixo da mesa, se sentiu ainda mais desanimada com a prova. Deve ter sido por esse motivo, ou pelo menos contribuiu, para que Mirai tirasse uma nota baixa de 68 na prova.

— Não pode ser... Minha Deusa, não... - Ela olhou o número vermelho depois de tirar a prova do envelope e caiu no meio da rua chorando amargurada.

Isso era péssimo para qualquer humano. A partir desse dia, significava que Mirai precisaria viver uma vida deprimente como a de sua tia, uma vida sem estudo superior ao fundamental, competindo com mestiços aposentados, por vagas de emprego que pagam muito mal.

Havia poucas opções de trabalhos decentes para os humanos; os mestiços, a mão de obra barata e escrava, ocupavam 89% dos trabalhos do mundo. Embora os humanos estivessem acima dos mestiços na hierarquia social, criada pelos vampiros, eles não significavam nada. A única coisa que importava para a sociedade vampírica era o que corria na veia deles, seu precioso sangue vermelho.

(...)

— Como você ousa me ligar para dar uma notícia terrível como essa, Mirai?! Sua única obrigação nessa família era tirar notas boas; você era a minha esperança de que poderíamos mudar de vida, e você estragou tudo! Sua menina, imbecil!

— .... Tia... Por favor... - Seus lábios tremeram junto dos olhos marejados.

— Não me apareça mais aqui em casa! Estou muito chateada, vou pensar no que vamos fazer...

— O quê!? Mas eu não tenho onde passar a noite!

— Isso não é problema meu! Estou prestes a infartar aqui, de tanta raiva de você! - Havia traços de dor na voz de sua tia; ela realmente tinha esperanças em Mirai.

Havia olhos escuros e vazios no seu rosto cansado e molhado. Ela olhou para seus pés, perguntando-se o motivo de tanta desgraça, tanta dor que os humanos eram obrigados a suportar. Sentiam agulhas na pele todos os meses, viam seu sangue indo embora em uma bolsa de sangue, em troca de uma cesta básica de alimento que duraria só até o próximo mês. Coitado daquele que se recusava a doar o sangue frequentemente; era punido com dois meses de fome.

Havia tanta crueldade, tantas coisas ruins que eram obrigados a suportar, tanta humilhação para viver dignamente. Mirai viu tudo embaçar por causa das lágrimas presas nos olhos, que se recusavam a cair, lentamente congelavam. Aquela garota apenas fechou os olhos por um instante e perdeu a consciência naquele frio impiedoso. Enquanto estava apagada, sua respiração ficava mais lenta, mais pesada, e os flocos de neve se amontoavam no seu corpo gelado, nos seus cabelos castanhos.

Flor de Sangue! - NOVELOnde histórias criam vida. Descubra agora