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Park Jimin também tinha um segredo.
Não era bem um segredo, na verdade, no sentido de que segredos são coisas enroladas em vergonha e humilhação, e Jimin não sentia nenhuma dessas coisas sobre si mesmo. Na verdade, bem ao contrário, seu segredo era belo da maneira que só o que é eterno poderia ser, e Jimin cuidava dele como um tesouro bem guardado. Quase ninguém podia ter acesso àquele tesouro poucas pessoas o entenderiam, na verdade, e durante toda sua longa vida, isso nunca o incomodou.
Até que ele conheceu Jeon Jungkook.
Ele se lembrava do que Jisoo, sua amiga, falou quando ele apresentou Jungkook a ela.
"Ele é seu tipo", ela tinha dito, enigmática como sempre.
Anos de prática o haviam ensinado a ser paciente, mas Jimin se viu inquieto com aquela frase com a impossibilidade de realizá-la, na verdade. Tudo bem,
Jungkook era bonito, muito bonito, ele tinha um porte físico extraordinário e um rosto esculpido pelas deuses da beleza, seu sangue era quente e cheio de emoção.Os dois passavam os dias juntos, e Jimin conseguia sentir seu cheiro, metálico, intenso e bondoso mesmo quando Jungkook se tornou CEO, o que costumava tirar a bondade de qualquer homem.
Mas não de Jeon Jungkook.
Ele tinha sangue bom, e Jimin se agarrou a isso, crescendo na hierarquia da Magic Shop junto com ele.
E justamente por isso Jimin fazia o possível para controlar seus impulsos, e esconder seu segredo era uma das coisas mais importantes para isso. Mostrar quem ele era seria demais, revelaria demais de sua vulnerabilidade por seu sangue bom e de seu fascínio pelo CEO, não só isso, na verdade, Jungkook era uma contradição em forma de homem, aberto e emotivo em um segundo, fechado e frio no outro.
Jimin tinha sabedoria o suficiente para entender, ou imaginar, que aquele era o jeito de Jungkook impor barreiras saudáveis e, ainda assim, não deixava de se sentir um pouco magoado quando, do nada, a barreira aparecia entre os dois. A proximidade e a rotina muitas vezes faziam com que parecesse porosa e macia, mas, em alguns momentos, Jimin conseguia vê-la, uma muralha de ferro e pedra, intransponível e inquebrável.
Mas Jimin era mais curioso que assustado, e a parte retraída de Jungkook era um novelo de lã nas fronteiras de sua consciência. Ela o puxava para perto, e aumentava o fascínio que o assessor sentia pelo CEO. Mais do que estar perto, ele queria entendê-lo, decifrá-lo. Nos momentos em que era sincero consigo mesmo, Jimin sabia que queria possuí-lo não da forma torpe de um humano colocando pássaros em gaiolas, e sim na posse mútua do desejo retribuído.
Era impossível, é claro. Não só pelo seu segredo, do qual ele não abriria mão, mas por causa da insistência de Jungkook em colocar valas onde deveriam haver pontes.
Jimin resignou-se a ser seu amigo, seu melhor amigo, e a vida dos dois se encaixou na cadência delicada do equilíbrio entre o que se tem e o que se quer. E, ainda assim, caprichosa como só ela, a afeição que tinha pelo homem cresceu, e se fortaleceu a cada conversa e encontro dos dois.
Era por isso que ele tinha feito o trajeto de quatro horas até Busan, na noite fria e inóspita daquela terça-feira. Ele tinha ouvido o pânico na voz de seu amigo e era insuportável pensar nele passando por aquilo sozinho, especialmente quando o causador de tudo era um idiota como Yeojun.
Ele acha que é feito de diamante, só pode.
Jimin pensou, enquanto estacionava na entrada do chalé. Ele saiu do carro e apanhou o celular, sentindo os dedos relaxarem no ar frio da noite.
Jimin sempre amou a noite.
Eu
|Cheguei!
|Você disse que eu era bem- vindo, né?
Jungkook não respondeu.
Jimin caminhou até a porta da casa, absolutamente ciente de todos os sons da noite que o envolviam o pio musical de corujas, ο cascalho sendo esmagado sob seus pés, o farfalhar suave das araucárias. Ele hesitou na soleira da porta, a mão pairando sobre a maçaneta. Ele tinha o convite, mesmo que ambiguo, e ainda assim sabia o que podia acontecer ao se aventurar na casa de alguém sem ser convidado.
Era irônico que, das poucas coisas que podiam matar um vampiro imortal, falta de educação fosse uma delas. As interpretações de regras vampirescas eram confusas e não havia um manual que pudesse dizer com certeza o que configurava ou não um convite. Você teria sua resposta se, ao cruzar a soleira, seu corpo fosse reduzido a cinzas e, enfim, seu espírito se libertasse do invólucro imortal.
Ou seja, nada muito prático.
Ele olhou novamente seu celular, a falta de resposta de Jungkook instigava seu medo, e seus instintos imprimiam a certeza de que o amigo precisava dele. Mas será que era certeza suficiente para enfrentar a soleira, e a possibilidade de encerrar suas centenas de anos naquela Terra?
Jimin acreditava que sim.
Ele empurrou a porta destrancada, pois Jungkook era mais distraído que qualquer outra pessoa que ele conhecia, e adentrou a casa. Fechou os olhos, esperando a lufada quente inevitável de seu erro lhe consumir em chamas... Mas nada aconteceu, e o único cheiro de queimado vinha do crepitar agradável da lareira no centro da casa.
Vivo pra aguentar mais um século, Park.
Ele avançou pelo andar e outros cheiros invadiram suas narinas, ativando seu olfato sensível, o cheiro rico e dourado da madeira, o almíscar do couro, a sensação mentolada e fresca das araucárias. Mas o cheiro que ele procurava era específico era o odor metálico e intenso do sangue de Jungkook, que ele conseguiria reconhecer com apenas uma gota.
De repente entre cheiro de remédio e cheiro de sorvete, ele encontrou, o doce e irresistível cheiro do sangue de Jungkook.
Ele seguiu escada abaixo.
Jimin apreciou a decoração íntima e aconchegante do andar subtérreo, mas seu olhar se demorou em uma banqueta caída na direção de uma coluna. O cheiro de sangue vinha dali, ajoelhou-se ao lado da banqueta, e viu que o estofado de tecido estava manchado com a menor gotícula de sangue do mundo.
Ele sorriu, satisfeito.
Para além da banqueta, por trás da coluna, a manga branca de uma camisa amassada no chão. Jimin franziu o nariz, ele não gostava de bagunça e foi até o objeto. Qual não foi sua surpresa ao encontrar um segundo lance de escadas, oculto nas sombras. Seus ouvidos sobrenaturais conseguiram capturar um som raivoso e gutural vindo do fim da escadaria, e cada pelo em seu corpo se arrepiou em alerta.
Havia alguma coisa ali. Alguma coisa não humana.
O cheiro do sangue de Jungkook só se intensificava à medida que Jimin ganhava os degraus, descendo com cuidado.
Ele enfim chegou a uma porta metálica, com uma tela apagada e um teclado em sua superfície. Os grunhidos animalescos estavam mais fortes ali, e ele sentiu um rosnado se formando na própria garganta, como uma resposta quase involuntária ao som que ouvia. Era incomum normalmente ele só rosnava quando estava caçando.
Não que ele não arranjasse oportunidades para caçar, havia um clã de vampiros em Sokcho, a duas horas de Seul, que cuidava de uma propriedade grande o suficiente para caçadas esporádicas. Mas nada que se comparasse ao sangue humano.
De vez em quando ele até conseguia um doador consciente. Jimin não matava as presas das quais se alimentava, não era um assassino, mas o arranjo só era aprazível para um tipo particular de pessoa. Depois que Jisoo havia se mudado para o Japão, um ano antes, tinha sido difícil achar alguém que aceitasse doar sangue para ele.
Pensar em Jisoo fez ele imaginar Jungkook na mesma posição, com o pescoço exposto e o cheiro inebriante do sangue em suas narinas. O rugido em sua garganta ficou mais intenso, e ele afastou o pensamento, focando na porta de metal.
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Segredos Ocultos
Short StoryJeon Jungkook esconde um segredo...na verdade mais de um. O belo CEO da Magic Shop é um lobisomem, e além disso é apaixonado por seu melhor amigo e assessor, Park Jimin. Tanto a paixão quanto a lua cheia podem ser sua ruína, e Jungkook sabe que o me...