Não conheci meu pai. Minha mãe não falava dele, em nossa casa não havia nada que lembrasse ele. Os vizinhos e os parentes não diziam uma palavra sobre ele. Meu pai nos deixou quando eu era um bebê. "Fugiu com outra mulher".
Doente, minha mãe começou a falar do meu pai e da tal que fugiu com ele. No início, eram frases soltas, sem nexo. O tempo transformou as frases em pequenas estórias. Montando o quebra-cabeça criado pela mente enferma de minha mãe, eu soube do meu pai e da sua estória.
Um dia encontrei um vestido de renda nos guardados de mamãe. Um vestido já amarelado pelo tempo, cheirando a mofo e a naftalina. Um vestido tão velho quanto a foto escondida dentro dele... Uma foto também amarelada pelo tempo, também cheirando a mofo e a naftalina.
Um vestido e uma foto ... Era o que restou do meu pai ...
O vestido deveria ser branco no passado. A renda ainda exibia a delicadeza original, desfeita apenas em pequenos pontos na região do busto. Era um trabalho da mamãe ... Reconheci na hora!
E a foto ... A foto era do meu pai usando o vestido de renda, enquanto fazia pose abraçado em um homem vestido de pirata. Atrás dos dois, havia um enorme espelho quadrado.
O espelho refletia minha mãe fantasiada de criança, sentada em um sofá comigo ao colo. Sorrindo, ela me embalava em seus braços...
No verso da foto estava escrito em letras ornamentadas: "Para o meu querido Alfredo, uma lembrança carnavalesca! Seu pirata, Carlos, 1920."
FIM
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Contando contos
General FictionEm CONTANDO CONTOS, de Denise FL, encontramos uma coletânea de dez contos ficcionais com protagonismo feminino, onde um conto é narrado em cada capítulo, em primeira pessoa ou em terceira. A autora exercita a escrita com diferentes tipos de contos...