Capítulo 4 - As flores do cobertor

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Ao se aproximar de casa, Maria ouviu o celular tocar. Ela se apressou, mas o barulho parou. Viu que tinha uma mensagem gravada.

-Tia, aqui é o Valter. Estou ligando para avisar que o Roger morreu! Foi assassinado! Ainda não descobriram quem foi. A mãe está dopada, foi só assim que conseguimos acalmá-la! Por isto, o celular dela está desligado. Só estou ligando para avisar mesmo, deve aparecer algo na televisão. Tia, sei que vocês estão longe, e tem a Duda para cuidar. Vou mandando notícias quando der.

Maria olhou o celular por um tempo, sem se mover. Depois ligou a televisão para ver algo sobre o sobrinho assassinado. Procurou pelos canais, até que viu uma pequena chamada de texto em um canal de notícias: "O empresário Roger ... foi brutalmente assassinado".

Maiores informações deveriam aparecer nos telejornais da noite. Não querendo esperar até lá, ela pegou o celular e pesquisou na Internet sobre o caso. Encontrou somente notícias em jornais sensacionalistas.

"O corpo de Roger foi encontrado nas margens do lago Paranoá, enrolado em um cobertor. Ele estava totalmente nu, e teve o pênis decepado." "Havia sinais de espancamento e tortura. Ele foi violentado com o próprio pênis". "A polícia localizou o carro e o celular da vítima. Nada foi roubado".

Em um site, Maria viu a foto do corpo enrolado em um cobertor florido. As flores estavam manchadas de sangue. Perturbada, ela largou o celular. Pensou na sua irmã. Roger era o filho favorito. Pensou em seus falecidos pais. Ele também era o neto favorito. O menino de ouro, o prodígio da família!

Mais tarde ela assistiu ao telejornal. Nada de novo. Na manhã seguinte, os telejornais divulgaram que o celular de Roger continha mensagens de uma mulher. A tal mulher foi identificada e seria convocada para depor. Dois dias se passaram, e noticiaram que a mulher era amante de Roger. Ela tinha 18 anos de idade. A mulher foi liberada porque tinha um álibi, mas informou à polícia que Roger possuía muitas dívidas de jogo.

Maria tentou falar com Valter, mas não conseguiu. Tentou falar com a sua irmã, também sem sucesso. Deixou mensagens de pêsames para ambos. Não houve retorno das suas ligações.

Ao longo da semana, ela acompanhou as notícias pela televisão e pela Internet. Fotos e vídeos pornográficos foram encontrados no celular e no laptop de Roger. No laptop também havia fotos e vídeos pornográficos de menores de idade. Mensagens homofóbicas e sexistas eram repassadas pelo sobrinho nas redes sociais.

O namorado do filho de Roger foi considerado suspeito, mas logo a polícia descartou a possibilidade. A esposa de Roger, seus sócios e amigos foram investigados, mas nada foi encontrado. Os credores de Roger não foram identificados. Não foram encontradas digitais ou outro vestígio do assassino. A polícia iria continuar investigando. Tudo indicava que o motivo da morte era vingança.

Um mês após o assassinato, ninguém foi preso. Maria recebeu uma ligação da sua irmã:

- Mari, meu pobre filho se envolveu com gente que não prestava! Tudo culpa daquela mulher dele! Ela nunca prestou para o meu filho! Uma mãe de merda, é o que ela é! Nem soube criar o meu neto! O menino virou veado ...

Maria ouviu toda a velha ladainha da irmã, consolando-a quando à morte do sobrinho. Se despediu afetuosamente da irmã, prometendo que a visitaria logo que fosse possível. Ao colocar o telefone na mesa, olhou para a janela. Seu marido estava lendo para Duda, a filha do casal.

- Quem era querida?

- Ninguém importante. Querem lanchar agora?

- Duda, quer que eu termine o capítulo ou deixamos para mais tarde?

- Termina, papai! Quero saber como o herói vencerá!

- Vou arrumar as coisas, enquanto vocês leem.

Sorrindo para os dois, Maria se dirigiu para a casa. Parou na sala e olhou para trás. Duda sorria ouvindo o pai. A filha foi uma criança doente, teve problemas digestivos e urinários na infância. Tornou-se introvertida devido à saúde. Maria e o marido nunca acharam que havia algo de errado no comportamento de Duda até a menina tentar se matar. Duda era pré-adolescente na época.

A menina não morreu, mas ficou cega, perdeu o movimento das pernas e ficou com déficit cognitivo. Depois de anos de cirurgias, internações e medicações, Maria e o marido buscaram terapias alternativas para a filha. Em uma das sessões, Duda relembrou um episódio da infância.

- Estava muito frio. Eu e minha irmãzinha estávamos vendo televisão enroladas no cobertor. A vovó estava cuidando da gente ... O Roger chegou e se tapou também ... A vovó trouxe o mama da minha irmãzinha e pediu para o Roger cuidar da gente. Minha irmãzinha mamou e nanou ... O Roger perguntou se eu queria brincar de um jogo novo. Eu queria sim! Ele pegou a minha mão e colocou dentro da minha calça, no lugar onde o xixi sai. Ele mexeu a minha mão um monte de vezes e perguntou se eu gostei. Não gostei, não falei nada ... Então, ele pediu para que eu fizesse aquilo sozinha ... Fiz xixi, e quis ir ao banheiro. Ele disse que não era xixi e que eu ficasse quietinha para não acordar a minha irmãzinha e incomodar a vovó ... Ele me empurrou forte e tirou as minhas calças! Uma coisa estava nas minhas pernas ... O Roger me apertou forte. Eu quis sair, mas ele não deixou. Uma coisa mexia nas minhas pernas ... Onde sai o xixi ... Doeu muitoooo ... Eu não queria mais brincar, mas ele falou para eu ficar quietinha ... Já ia acabar ... Eu comecei a chorar e ele tapou a minha boca ... Chorei ... Fechei os olhos ... Olhei ... Vi as flores do cobertor ...

FIM

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