No Escuro.

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Uma semana inteira se esvaiu dos olhos de Bella como areia jogada ao vento, enquanto trabalhava quase sem parar na mansão dos Darkist, o quarto de solteiro no andar de baixo próximo a saída para o jardim já estava se tornando sua segunda casa, A vista que encontrava todas as vezes que olhava para a imensa janela do quarto era de um grande cercado de petúnias rosas logo abaixo desta, muito bem cuidadas pelo jardineiro, que ela aprendeu que aparecia na mansão sempre na quinta-feira de manhã, a faxina da casa era feita por uma firma de trabalhadores freelancers, todavia seus patrões tinham preferência por uma mulher negra de quarenta e seis anos chamada Marta, e ela fez questão de informar isso com um sorriso quando a conheceu, os dois motoristas eram irmãos, e trabalhavam na casa há mais de dez anos, e Bella se tornou mais próxima de Camilo, o mais novo que além de ter somente vinte e nove anos, era justamente quem havia ido fazer compras com ela no supermercado, e em outras lojas onde precisou ir quando começou a ver ingredientes faltando.   

Além deles, também estava na casa três vezes por semana, Júlia a babá de Benjamin, uma mulher branca de estatura baixa, olhos carinhosos e muito simpática, e era vista pelos corredores da casa mais vezes com o menino nos braços, do que a própria mãe do garoto. Para controlar esse time de empregados que agora estava novamente completo, Emma apresentou aos mais novos membros de sua rotina, a governanta da casa quem retornou das férias no segunda dia de Bella, essa senhora sim a única pessoa que trabalhava na casa desde que Adam tinha doze anos, fora contratada pela antiga senhora da casa, quando esta ainda vivia no Brasil, dotada de um pulso firme assim como seus olhos negros, Regina nunca havia sido repreendida, confrontada ou questionada, era também quem representava os patrões na ausência de ambos, além de ser quem cuidava de entregar o dinheiro para que os empregados lidassem com as compras e custos de seus serviços na casa, nada podia ser mudado de lugar ou decidido sem o aval dela, mas ainda assim por trás desta armadura de porcelana de firmeza, havia um coração que demonstrava muita estima e admiração pelo casal de jovens que agora comandava a casa, e ainda sobrava espaço para que ela fosse profundamente gentil com todos os outros empregados da casa.

Bella estava começando a se sentir feliz por ter aceitado a ideia de Alex, e ter largado seu antigo emprego, havia um certo acolhimento ali, ainda que a distância com que Adam a tratava agora lhe causasse uma estranha falta, ela sabia que o tesão que iniciava em sua mente no segundo em que ele chegava perto dela era anormal, e errado insistia em fingir que não existia pois assim era mais seguro, embora soubesse que se breve aquela porta fosse aberta outra vez, aquele homem seria dono dela completamente se quisesse. Viver e trabalhar com tais certezas era um martírio que ela compartilhava somente em sua terapia, e sem saber que o outro sofria pelo mesmo juntamente com ela e já usava outra para esquecê-la.

—De onde veio isso?— Vívian dizia enquanto encostava carinhosamente a unha pontuda por cima da cicatriz que lembrava um par de chifres mal desenhados que Adam tinha nas costas logo abaixo de sua cintura.

— Tenho desde que nasci, você já me viu nu mais de dez vezes e só agora notou isso?— Ele estranhou se afastando aos poucos da mulher negra de cabelo alisado, pele clara e olhos castanhos na cama do hotel, ele deu risada, quase criticando a desatenção dela, ela sorriu abertamente enquanto se cobria com o lençol e justificava.

— Sempre vi, maldito, mas só agora essa pergunta me veio na cabeça, e porque já vai tão cedo?— Ele vestiu a calça enquanto respondia sem se virar para olhar para ela, com o tom tranquilo de quem já havia mentido tantas vezes sobre a marca que a mentira havia se tornado verdade.
— É uma marca de nascença, meu pai também tinha, nunca tive vaidade o suficiente para remover cirurgicamente, e estou indo porque quero almoçar em casa antes de ir para o consultório— Ele terminou de se vestir, prendeu o cabelo e colocou o boné por cima da cabeça ajeitando-o para que ele cobrisse seu rosto, e por último os óculos com lentes que escurecem de acordo com a intensidade do sol. Aprendeu que teria de se disfarçar ainda que sua esposa soubesse de todos os encontros, já que sua esposa era uma pessoa pública internacionalmente conhecida e vendia uma rotina de esposa tradicional para as câmeras.
— Pois não remova, eu gosto dela. Te faz ainda mais dominador—
Ela finalizou dando um último sorriso provocador enquanto ele se aproximava para se despedir dela, Adam sorriu balançando a cabeça, e disse em voz baixa no tom mais grave que conseguia:
— Vou me lembrar dessas palavras quando eu amarrar você na próxima vez, Vívian.
— Mesmo horário semana que vem?— Ela ansiosamente perguntou.
— Vou pensar no seu caso.
Ele disse e logo depois beijou os lábios dela gentilmente, e foi-se ao encontro da porta, antes que ela pudesse reclamá-lo, desceu no elevador social, entregou sua cópia da chave a recepção, entrou no jaguar preto estacionado na vaga mais próxima a saída, e dirigiu na maior velocidade que podia.
Ao chegar em casa foi surpreendido e abraçado pelo cheiro de alho sendo refogado, era sábado seu último dia atendendo naquela semana, e dia de comida brasileira na cozinha, se conteve pelo desejo de invadir o cômodo tão próximo da sala de estar de sua casa, e começou a subir as escadas quando ouviu uma conversa: — Eu notei o calendário antes de ir fazer as compras, a senhora sabe como eles costumam comemorar? Sabe, se terei de preparar algo especial? Um bolo?— Dizia Bella.
— O Adam é mais apegado a tortas, mas entendo o apelo de um bolo em uma data como essa. Mas você não vai precisar se preocupar com o jantar, eles sempre jantam fora juntos no aniversário.
Respondeu Regina.
— Alguma sugestão? Se quiser, posso perguntar diretamente a ele depois.
A Negra tentou, mas logo avistou seu patrão entrando na cozinha com o andar silencioso de sempre, e este encerrou a conversa dizendo: —Vou poupá-las desde já, não iremos comemorar essa data em casa, muito obrigado às duas por se lembrarem, mas eu não estarei presente para esse tipo de celebração.
— Tem certeza? Adam, acho que não há nada de errado com que ela deixe a torta pronta para quando vocês retornarem, e Emma não falou sobre nenhuma viagem, foi decisão de última hora?
— Não iremos viajar Regina, só iremos passar o fim de semana em uma praia no interior do Rio, minha mulher reclamou recentemente sobre não ter muito tempo para ir a esse tipo de passeio sem as câmeras, então vamos unir o útil ao agradável. Agora já que vocês estão insistindo, meu aniversário é na sexta que vem, mesmo dia em que iremos sair, então Bella prepare por favor uma surpresa maior para o Benjamin, e deixe uma menor pra mim quando eu retornar no domingo, ok?
— Vou notificar Júlia, até logo. — Disse Regina se retirando, Bela fechou a panela de arroz, refez a postura e perguntou por último. — A sobremesa deve ser dentro da dieta, certo?
— Ah sim, zero lactose. Não entendo o porquê ela insiste tanto nisso também, se ele nem é tão alérgico. Quanto tempo vai demorar para o almoço? E cadê o Lucas?
— Foi ao banheiro, mas logo deve estar de volta, vamos levar mais uns quinze minutos, ok?
— Perfeito.
Ele se retirou sem dizer mais nada, nem um olhar, nem um sorriso, nada.
Poucas horas depois no consultório, o Dr. Darkist por não ter muitos clientes fixos, graças a sua especialização em parassonias, adentrou sua sala sem ansiedade para ouvir algo novo que fosse do homem que sempre vinha no horário das quinze horas, se sentou em sua poltrona, esperou que o sujeito se deitasse e ouviu.
— A nuvem voltou ontem à noite, não precisei me estressar durante o dia dessa vez, eu simplesmente fechei os olhos para dormir e ela voltou.
— Pode descrever melhor essa nuvem?
— A mesma que apareceu da última vez, negra, densa e enorme. Parecia sufocar todo o ar ao meu redor, me impedindo de respirar e gritar.
— Seu diagnóstico se mantém, é Paralisia do sono, temos de iniciar o tratamento psiquiátrico o quanto antes, essa será sua última avaliação antes da intervenção médica.
— Teve mais dessa vez!
— Então continue.
— Ela mudava de forma, ela se sacudia e mudava de forma, teve um momento que ela pareceu agarrar o meu rosto, eu nunca senti tanto medo assim— O Psicólogo estava preocupado, apesar de conhecer bem o problema e saber quais seriam os próximos passos, não conseguia evitar tal sentimento. Respirou fundo em silêncio por alguns segundos, e quando estava pronto para responder sentiu um nó em sua garganta, o nó o fez soluçar, as veias de seus braços engrossaram e escureceram, e ele sentiu como se um fantasma dentro começasse a se contorcer.
—E- Eu irei recomendá-lo para um médico de..— O fantasma se mexia de novo, dessa vez na região de seu tórax, quase como se quisesse atingir seu coração.
— Eu vou recomendar um médico da minha confiança, as consultas dele geralmente são nas terças-feiras, se o preço não for acessível, por favor peça para minha assistente a lista de nomes em hospitais públicos ok?
—Ok. Muito obrigada.
— Podemos continuar, me conte como se sentiu quando finalmente recebeu ajuda.
A sessão de avaliação psicológica seguiu pelo que restava dos cinquenta minutos programados, o cliente foi liberado, e estranha sensação no peito de Adam assim que a porta foi fechada pelo outro, foi dor, uma dor latejante, uma dor assombrosa, dor inaceitável.

Tempero Sombrio (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora