4 - MENTES QUE VOAM

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LISBETH SULLIVAN


— Lis? — O chamado cheio de sotaque de Tazz me fez saltar.

Estávamos tomando café da manhã juntos, uma vez que ele tinha passado a noite em meu apartamento.

— Hum? Desculpe.

— Está tudo bem? — questionou com um tom preocupado.

Peguei sua mão e acariciei. Ele sempre era um homem agradável, educado e cheio de charme. Nem parecia um tatuador. Suas mãos e pulsos eram livres de desenhos, assim como seu pescoço, mas quando tirava a roupa, Tazz era uma tela viva. Uma obra de arte. Seu corpo era coberto por flores, dragões, peixes e dizeres.

Nós nos conhecemos quando fui fazer uma de minhas tatuagens favoritas, as manchas de tinta com cores primárias em minhas costas, simulando um ataque dos meus alunos contra mim. Eram quatro "splashs" espalhados. Eu os amei. E foi fazendo essa tatuagem que conversamos e ele me chamou para sair. Desde então, seguimos com "essa coisa" que tínhamos. Amigos de foda, as vezes amigos para assistir um filme... E amigos para conversar.

— Estou bem.

— Tem alguns dias que você está aérea. Sua mente não está aqui. — Ele era observador e sensível.

— Não?

— Não. Parece que seu pensamento está voando enquanto seu corpo está aqui.

Respirei fundo e soltei o ar resignada. De fato minha cabeça estava fora do lugar.

— Desculpe.

— É o trabalho?

Anui em confirmação, mas era mais que o trabalho. Harry não saia da minha mente desde que Maenna voltara para Atlanta para ajudar Beckett. Segundo ela, a última babá foi pega dormindo na cama de Harry enquanto o menino ficava acordado e tocava o terror pela casa. Um perigo.

— Você vai conseguir algo. — Tentou me tranquilizar. — Além do mais, você sempre pode trabalhar comigo na recepção do estúdio. Estilo você tem.

Dei uma risada e me estiquei para beijar seus lábios.

— Você é um príncipe, mas gosto da minha profissão e tenho uma reunião com o secretário de educação em uma hora.

— Prove para ele que você é a melhor, gata!

— Eu vou.

***

— Senhorita Sullivan, eu deveria ter solicitado a minha secretária que ligasse para você mais cedo, desculpe por isso — o secretário de educação, Donald Lance, disse assim que abriu a porta do seu gabinete para mim. — Não há necessidade de conversarmos sobre o acontecido. Foi um mal entendido e você terá seu emprego de volta.

— Não estou entendendo, senhor Lance. — Passei por ele e me mantive em pé enquanto esperava uma explicação.

— Vamos apenas dizer que valorizamos uma profissional como você. O emprego é seu novamente.

Dizer que eu estava confusa era o eufemismo do ano. Tentei argumentar, conversar, falar sobre o que aconteceu entre eu e a vadizilla da Nadeene, mas ele parecia apressado em me dispensar. Aproveitei a minha sorte e saí animada do seu escritório.

A primeira coisa que fiz foi ligar para Maenna e contar a novidade, mas ela não me atendeu.

Também não retornou. E na semana seguinte eu sequer recebi algo além de uma mensagem de voz dizendo que ela estava ocupada e ficaria fora por um tempo.

***

— Finalmente consegui falar com você! — exclamei em tom de revolta. Mae não costumava me ignorar por tanto tempo. — O que foi que fiz de errado desta vez?

Você não fez nada de errado, Lis. — Sua voz era cansada. Ao fundo, conseguia ouvir o choro de criança.

— Está na casa do seu irmão? — perguntei, sabendo que a criança que chorava era Harry.

Não, estou na casa dos meus pais com ele. Beckett precisou se ausentar por alguns dias por causa de um contrato enorme com um jogador novo, ele não queria ir, mas lhe garanti que tudo ficaria bem... Mas Harry...

Harry estava se sentindo abandonado pelo pai também. Suspeitei que era por isso que estava chorando daquele jeito.

— Precisa de ajuda? — ofereci.

Não, ele está apenas fazendo um espetáculo de tudo. Manhoso. Vamos contornar isso. — Harry gritou mais uma vez e fechei meus olhos ao ouvir. Ele não estava sendo manhoso, o menino estava sofrendo.

Pensei que conseguiríamos conversar agora, Lis, mas não vai ser possível, ligo para você mais tarde.

— Tudo bem.

E parabéns por ter conseguido seu emprego novamente.

— Ainda estou sem entender a situação, para ser honesta.

Bem, eu sei o que aconteceu...

Fiquei em silêncio, tentando assimilar suas palavras enquanto ouvia algo cair no chão.

— Sabe?

Foi Becks, ele deu duas entrada vips para o secretário Lance para o próximo Super Bowl. As entradas que eram dele, diga-se de passagem. — Outra coisa pareceu cair ou ser arremessada e uma nova rodada de choro e gritos iniciou no outro lado da linha. — Eu não posso falar agora, Lis, realmente. Desculpe.

E tudo ficou mudo.

Fiquei encarando meu telefone por um tempo enquanto repassava as palavras de Maenna em minha cabeça. Beckett abriu mão de credenciais do Super Bowl para salvar o meu emprego? Mesmo eu recusando cuidar do seu filho.

Harry...

Ele estava sofrendo e ninguém da família estava sabendo muito bem como lidar com ele. Meu coração se apertou pelo menininho. As pessoas tem uma mania de dizer que tudo é drama, mas mesmo quando uma criança chora por não ganhar o brinquedo que quer, não é manha, na cabecinha deles, aquele sofrimento é real e o maior do mundo. Para o filho de Becks é ainda pior, ele está sofrendo por causa do abandono, acha que depois da mãe o pai se foi também, não entende que o pai está trabalhando e tem responsabilidades.

Ninguém sabia como agir ou o que fazer, e não era culpa deles.

Mas que tipo de pessoa eu seria se deixasse o menino na mão naquele momento?

Tomando uma decisão, peguei minha bolsa, calcei meus chinelos e saí do meu apartamento disposta a ajudar não somente Beckett, mas principalmente Harry.

Era ele quem precisava de mim.

UM AMOR DE BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora