Tóxico

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Eu a perdi.

Foi a primeira coisa que pensei depois de quase uma semana de ligações perdidas, portas não abertas e mensagens não respondidas.

Eu a perdi.

O motivo era claro: eu fui um idiota. Forcei as coisas. Quis que ela se tornasse parte da minha vida de uma forma tão desesperadora que ela se sufocou e foi embora da minha vida. Por quanto tempo agora? Meses? Anos? Quanto tempo eu vou ter que encarar o rosto decepcionado do Toshinori? Responder que "não sei" para as perguntas dos meus filhos e ver os olhos dizendo "eu já sabia"? Por quanto tempo vou ficar nesse ciclo infernal?

Eu só queria tê-la da mesma forma que a tinha quando éramos jovens. Da mesma forma que ainda a teria se tivesse ido contra a ordem de minha mãe. Acho que esse foi o meu erro.

Querer de forma desesperadora consertar o passado e nos transformar naquilo que podíamos ter sido. Me prender na vida que nunca teremos e me banhar nessa ilusão.

Num acesso de fúria ao perceber que o erro era todo meu. Briguei com meus filhos, advogado e minha ex-esposa, cansei meus funcionários com missões e obrigações extras, joguei no chão nossos quadros, mas não tive coragem de rasgar as fotos. Eu não podia.

Tudo era minha culpa e é tarde demais para voltar atrás.

Cheguei no apartamento que agora eu dividia com Shoto, coloquei a caixa de pizza na mesa e chamei meu filho. Não veio. É claro que não viria. Quando parece que demos um passo para frente, eu faço com que demos três passos para trás. 

Suspirei e me escondi na suíte como se aquilo fosse reparar meus erros. Eu só queria ser bom o suficiente para ela, para meus filhos e para a sociedade. Mas acho que nunca vou conseguir.

O quarto parecia vazio. Sem vida. As fotos com emolduras quebradas no chão me causaram um angustia. Ajuntei uma por uma, verificando se as fotos estavam sem arranhões e se o sorriso dela ainda era o mesmo. 

Era o mesmo em todas as fotos e acho que foi isso que me fez chamuscar com os sentimentos que me trasbordavam. Fui até o banheiro e antes mesmo que a banheira enchesse, eu entrei. A água tocava a minha pele e evaporava a medida que me sentia mais... eu não sei. 

Solitário. Angustiado. Irado. Amuado. Eu não sei.

A água gélida não chegava até metade do meu corpo. A humidade tomava conta do banheiro e me fazia tossir, mas servia de punição pelos meus pecados. Se eu pudesse voltar no passado...

Se eu tivesse ido contra a minha mãe. Se eu tivesse a seguido. Se eu tivesse declarado o quanto a amo. Mesmo que tudo eu não possa voltar para antes deste caos, mas quando a vi de novo... Quando me senti vivo como uma chama recém acesa, quando pude tê-la em meus braços novamente...

Eu vou tê-la novamente. Nem que eu tenha que virar esse mundo de cabeça para baixo.

Respirei fundo por mais que doesse a garganta e fitei o teto branco que embaçava cada vez mais. Reduzi o calor do meu corpo até a água conseguir fluir na banheira sem evaporar, mas no fim das contas, banho não me ajudou.

Ao sair do banheiro senti minha cabeça girar com o vazio que aquele quarto era mesmo cheio com minhas coisas, mas nada dela apenas o que poderia ser. Um coração partido é assim?

Saí do quarto querendo que a minha mente se ocupasse com algo. Shoto estava na cozinha fitando o celular na mão enquanto bebericava um copo de água, ele saiu assim que me viu.

Suspirei.

Que inferno.

Voltei para o quarto e me sentei à escrivaninha cheia de papeis e abri meu laptop para trabalhar, envolver minha mente em algo eficaz, mas a concentração é necessária nisso e só me dei conta disso quando estava apenas olhando para os documentos sem ler qualquer um.

Dias e semanas se passaram sem qualquer noticia, rastro ou sinal de vida.

Me questiono se ela voltou para a Liga dos Vilões, se ela saiu do país ou qualquer outra coisa que me arrepia pois sem que ela não voltará para mim. Isso é ser tóxico? Querer a pessoa que você ama perto? Desejar profundamente que ela não vá embora? Se sim, eu sou tóxico pra caralho.

Dessa vez, me escolha!Onde histórias criam vida. Descubra agora