solidão

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Eu costumava ser tão sozinho.

Não tive nem minha mãe nem meu pai ao meu redor quando era criança. Havia algumas pessoas pra tomar conta de mim na casa em que cresci, me proteger, na verdade.

Mas todos eles tinham medo de mim. Eu podia ver. E nem mesmo precisava dos meus seis olhos pra isso.

Eu não costumava brincar como — depois descobri — crianças normais brincavam, eles temiam se aproximar de mim.
Eu sempre fui visto como uma arma.

Demorou mais para que eu começasse a falar porque eles não falavam comigo também. Me lembro dos sussurros por todo o lugar porque eles tinham muito medo de até mesmo conversar perto de mim.

O tutor era o único que falava diretamente comigo. Claro que não fui para uma escola normal. Ele era o único a se atrever a levantar a voz um pouco para chamar minha atenção de volta.

Eu tinha sete anos quando assisti um filme e vi uma criança sendo castigada depois de ter feito algo ruim.
Eu quebrei um vaso naquela tarde.
Ninguém perguntou o porquê. Eu não recebi nenhum castigo. O chão foi limpo e a vida seguiu.

Experimentei ir para lugares lotados quando fui ficando mais velho pra ver se a solidão ia embora, mas parecia que a minha técnica não era só pra maldições. Ela era a minha maldição.

Existia sempre esse vazio infinito entre mim e todas as outras pessoas.
Até conhecer você, Suguru.

Eu estava mais ou menos animado para entrar na Jujutsu High. Pelo menos não seria mais (isolado) protegido.

Tinha acabado de encontrar meu quarto quando você saiu do seu.

"Oi, sou Geto Suguru. Qual seu nome?"

"Não sabe quem eu sou?"

"Por que saberia? Qual é a dos óculos de sol em um lugar fechado? Isso é ridículo."

"Disse o cara com uma franja estúpida."

"Vai se foder."

Aquele foi o momento que comecei a ficar obcecado por você.

Ninguém nunca tinha me chamado de ridículo e mandado eu ir me foder dentro de dez segundos antes.

Você guardava todas as minhas mais significativas primeiras vezes, Suguru.

Você foi o primeiro a não reconhecer, não saber quem eu era.

Você foi o primeiro a me chamar de ridículo e mandar eu ir me foder.

Você foi o primeiro colega de classe que tive.

Você foi o primeiro a não ter medo de falar comigo, zoar comigo, me tocar e até mesmo me socar quando eu esquecia algo como o véu.

Você foi meu primeiro amigo. O melhor.

Meu primeiro e único... (amor.)

Eu costumava amar passar tempo no seu quarto. Parecia um universo à parte. Eu não era Gojo Satoru lá. Eu era só Satoru.
(Seu Satoru.)

Toda vez que você dizia meu nome daquele jeito suave que só você era capaz, eu conseguia sentir ele reverberando sob a minha pele.

A gente costumava passar horas deitados na sua cama jogando ou assistindo alguma coisa, conversando sobre os assuntos mais estúpidos e inúteis, irritando um ao outro.

Você costuma me cantar canções de ninar.
As que seus pais cantavam pra você.

Você costumava me abraçar com tanto cuidado, tão gentilmente, como se eu fosse a coisa mais frágil do universo e não um dos feiticeiros mais fortes do mundo.

Eu nunca teria imaginado que acabaríamos desse jeito.

"Faz isso depressa, Satoru... por favor."

Comigo segurando você nos meus braços.
Morto.
Sangue pra todo lado.
Eu matei você.

Como- Como eu...?

Eu matei você.

Por quê...?

Eu matei você.

"Precisamos nos desfazer do corpo."

"Vai embora, Shoko..."

Eu não posso te perder de novo.

Você já perdeu. Você-
Eu matei você.

"Satoru-"

"VAI EMBORA!"

Quando ela fala meu nome parece errado. Você fez meu nome algo que só soa correto se sai da sua boca.

"Eu estava lá também, não estava?"

"Me deixa sozinho, Shoko, por favor."

Eu parei de me sentir sozinho depois de conhecer você.

Eu matei você.

O que eu fiz?

Eu matei você.

Meu primeiro e único.

Solidão - SatoSuguOnde histórias criam vida. Descubra agora