Capítulo 01 - Colega de quarto

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Setembro 03 - 2018
Londres - Segunda Feira

6:30 AM

O quarto não é grande como o do apartamento. Na verdade, é minúsculo e a primeira aula começa daqui a pouco, sete e quinze. Vim com meu motorista mais cedo para organizar minhas roupas no armário. O meu colega de quarto provavelmente já chegou, pois uma das camas está bagunçada e ele já tomou metade do armário... Vou ficar com a cama próxima a janela.

Ajeito meu material escolar pela segunda vez, coloco meu Apple na bolsa junto com a caneta e fecho a mochila que é mais cara que qualquer coisa dentro deste quarto pequeno. A primeira aula é de Fisionomia e o pior de tudo é que eu vou ter duas aulas seguidas. Vai de sete e quinze às oito e cinquenta e cinco. Não estou animado, mas eu preciso me esforçar...

— Você devia aparecer assim no meu quarto todos os dias — ouço um barulho vindo da porta e o meu primeiro instinto é me sentar na cama, a espera do meu mais novo "amigo".

— Não! Definitivamente não — o garoto de olhos castanhos entra com um cara tatuado... Os dois são tatuados, na verdade. Tem muitas tatuagens por sinal... Deus! Se o papai visse isso ele iria surtar. — Imagina se o Louis aparecesse como da última vez? Dá última vez ele quase me pegou chupando seu pau, amor... — diz e eu arregalo os olhos.

Dois homens! Ele acabou de falar amor e disse uma tremenda barbaridade da qual eu jamais vou repetir em toda minha existência.

Eles são gays?
Gays?
Um homem e um homem.
Não é um homem e uma mulher.
São dois homens.
Dois gays...

Eu não podia imaginar isso! Nunca imaginei que em uma faculdade tão renomada e bem falada poderia acolher gays. Será que o papai sabe disso? Será que na época em que ele estudou aqui haviam pessoas com o mesmo gênero fazendo essas coisas? Estou entrando em pânico porque isso é pecado, certo? Pelo menos o meu pai e o postar da igreja sempre deixaram bem claro que isso é um grande pecado contra Deus...

— Oi — diz o de olhos castanhos me encarando — Quem é você?

— Eu... bom... eu... Eu sou Harry!

— Liam — ele estende a mão, mas não pego nela. Papai me disse que se eu conviver com esse tipo de gente eu vou acabar me contaminando. Ele disse que isso tudo é como um vírus que se espalha e eu estou com medo de ficar igual a esses dois. Eu preciso ir a recepção e pedir para trocar de quarto.

— Qual é...? O engomadinho não comprimenta meu namorado? — O outro de olhos âmbar se põe na frente. Namorado. Isso é informação demais. Eu nunca vi pessoas assim antes em toda minha existência. Eu só já ouvi falar, mas nunca cheguei a conhecer, principalmente dois gays.

Holmes Chapel é uma cidade muito pequena e lá a maioria da população congrega alguma igreja, lá somos todos amigos e não há ninguém naquele mundinho com tatuagens. É estranho ver dois caras cobertos por tatuagens e se dizendo namorados.

O moreno de olhos castanhos parece educado, já o outro parece um brutamonte...

— Eu... Eu tenho que ir pra minha aula — me levanto, pego a mochila e saio correndo. Eu devia ter escondido bem as minhas coisas. Eles poderiam roubar facilmente. Ainda faltam meia hora pras aulas começarem, então acho que seria bom tomar um café. O campus já está cheio e eu observo cada pessoa. Julgar as pessoas pela capa é algo de família. Eu sempre analiso bem cada pessoa que eu conheço e eu tiro minhas próprias conclusões se ela é boa ou não.

Nunca vi tantas pessoas de tantos jeitos. Há pessoas bonitas, pessoas mal vestidas, pessoas na média. Eu preciso procurar as pessoas que se encaixam no meu mesmo padrão social.

Quando chego ao restaurante, vejo algumas já postas em suas mesas. Me aproximo do balcão e pego uma bandeja. Coloco dois pedaços grandes de bolo no prato, coloco várias bolinhas de queijo e vou para o outro lado. Ignoro as frustras e ao invés disso, pego uma fatia de torta e a moça me encara com um olhar julgador e me afasto... Queria pegar mais coisas, mas eu não suporto ser julgado, o que é uma ironia, já que é exatamente isso que eu faço.

Me sento em uma mesa, tomo todo o café com uma rapidez absurda e vejo a garota da frente me encarando. Ela é tão bonita e tem um corpo impecável. Seus traços são únicos. É uma beleza invejável e eu estou com inveja dela...

Eu tenho inveja até da minha namorada!
Não me surpreende ter inveja de alguém que eu nem ao menos conheço.

Ela está me encarando como se eu fosse a pior pessoa do mundo e eu realmente me sinto culpado por isso... Ela deve pensar que sou um bolofofó... Não é uma mentira! Eu estou muito gordo!

Me levanto da cadeira com os olhos cheios de lágrimas e corro para os banheiros próximos a salas de aulas! Provavelmente os dos dormitórios estão lotados de universitários pelados já que nem todos os quartos tem banheiros, então eles dividem já que há cabines com chuveiros.

Jogo a mochila no lavabo e me enfio em uma cabine. 

Suspiro, me abaixo e enfio dois dedos na garganta e de imediato despejo toda a refeição da manhã no vaso. Dou descarga e saio da cabine levantando a camisa.

Eu sou tão gordo!

O meu pai disse que estou muito feio e que eu preciso me tratar. Ele tem razão. Ele sempre tem razão.

Me inclino na pia e lavo minha boca.

— Que nojo — paro, abruptamente e encaro meu reflexo no próprio espelho. Dou de cara com um homem... Bem mais velho do que eu! Ele tem barba, cabelos castanhos com uma franja estupidamente bonita na testa. Seus olhos são azuis como um oceano e ele também tem muitas tatuagens nos braços... Não são tantas como os garotos do quarto, mas são bastantes e tatuagens são coisas feias!

— Quem é você? A quanto tempo você está aqui? —  Pergunto e ele me olha de cima abaixo. Ele sorri e eu não faço a menor ideia do que esse sorrisinho contido significa, mas por algum motivo me tira o fôlego.

É estranho perceber que um homem acabou de me olhar de cima abaixo, sendo que nenhum homem nunca fez isso antes. Talvez também tenha reparado o quão gordo eu estou. Eu pareço uma baleia.

O cara de olhos azuis está com um cigarro entre os dedos e no dedo do médio e no anelar tem uma tatuagem que forma o número vinte e oito.

— Tempo suficiente pra ver você chegando e indo vomitar. Você tá bem? Isso foi muito nojento...

— Nojento é você! Com certeza você é um desses empregadinhos que lavam banheiros de universidades... Isso sim é nojento.

Ele cai na gargalhada.

— Opa, Opa! Havia me esquecido que essa faculdade é de gente riquinha. Você tá muito estressadinho, princesa.

— Não me chame disso! Não te dei essa autoridade, seu verme — me viro e aponto o meu indicador. Não sei o que é pior; ele ficar me confrontando ou me chamar de princesa. Ele é um babaca! É tão sujo quanto aqueles dois do quarto... O que pode ser pior? Tatuagens, cigarros ou gays? Esses pecados são os piores e eu vou me mudar de quarto ainda hoje — Eu vou embora —  começo a sair.

— Marrentinho, — chama e eu me estremeço com o apelido. Abusado. Escroto. Mil vezes escroto. — A mochila fica? — Pergunta levando o cigarro aos lábios. Ele é bonito e tem barba. Eu não tenho uma barba e mesmo que tivesse, não seria tão bonita quanto a dele.

— A mochila vai... — pego a mesma e coloco nas costas — E eu não sou marrento, pobretão — saio do banheiro.

Always You • [L.S.]Onde histórias criam vida. Descubra agora