6: extremos pt.1

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Se passou mais de um mês desde que a rotina de Seungmin e Hyunjin havia mudado completamente. Agora, eles tinham um gato preto sem nome para alimentar e um amigo que parecia morar numa ponte. Todos os dias, sem exceção, dos quais passaram lá dar uma conferida, Jeongin estivera no mesmo lugar, independente do horário ou clima que se encontrava. E todos os dias com a fita amarela amarrada no pulso e a coroa de flores enfeitando os cabelos.

O dia havia sido estressante para Seungmin. Brigou novamente com sua professora, o pneu de sua bicicleta furou, esqueceu parte de seus materiais em casa, sua bateria social havia acabado em menos da metade do dia, o clima na ponte estava chuvoso, não tinha dinheiro para consertar sua bicicleta... Tudo deu errado. A madrugada estava sendo horrível, também. Só queria dormir em paz e passar o resto de sua vida trancado em seu próprio quarto sem falar com ninguém, já que até isso se tornava um evento estressante, mas nem ao menos conseguia pegar no sono.

Hyunjin, também, não havia tido seu melhor dia. Mesmo sempre sorrindo, ás vezes sentia vontade de chorar. Segurou as lágrimas o dia todo porque de repente seu cérebro resolveu que começar a acreditar que Seungmin o odiava era um bom jeito de começar o dia.

— Você acha seguro a gente perguntar o porquê ele sempre estar na ponte? — ele colocou o casaco.

Seungmin nem se importou em pensar, já sentia sua paciência se esgotar com Hyunjin falando sem parar por mais de dez minutos, mas negou com a cabeça enquanto terminava de cozinhar os ovos. Claramente estava desconfortável.

— Por quê? Olha, você não acha super estranho o Jeongin estar literalmente todos os dias na ponte? Vai que um dia a gente chega lá e ele não tá?!

Seungmin respirou fundo, fechando os olhos por alguns segundos antes de pegar dois garfos na gaveta e oferecer um dos pratos à Hyunjin. Os dois se sentaram na varanda, observando a madrugada fria que congelava seus ossos.

O relógio marcava duas e quarenta da manhã e Seungmin já não conseguia mais contar quantos suspiros de irritação havia soltado, esperando que Hyunjin entendesse que era melhor parar de falar um pouco.

— Hoje ele tava lá, mas e se amanhã não tiver? Seungmin, você nunca reparou nele de verdade? Já se passou mais de um mês e é sério que você nunca notou que o corpo dele é cheio de marcas? Nunca olhou pros braços dele?!

Seungmin respirou fundo mais uma vez. Trincou o maxilar e sentiu sua respiração ficar um pouco mais pesada. Com força, fechou os olhos e repassou as imagens na mente.

Mas é claro que já havia reparado. O que ele mais faz é reparar nos outros. O tempo todo observando, guardando os detalhes em algum lugar na mente para depois ficar imaginando-os. Já havia reparado em um Jeongin completo: olhos de raposa, cabelos claramente descoloridos, corpo magro, coluna arqueada, pés sempre descalços, roupas em cores neutras, pele clara como a neve... Já havia reparado em tudo isso. Reparou em seus olhos algumas vezes avermelhados e meio inchados, nas roupas escondendo os braços, algumas marcas cobertas - muito mal, inclusive - com base no pescoço, reparou também nos lábios sempre vermelhos e machucados, reparou que ele nunca contou nada de si próprio além do nome... Reparou que ele não comia as coisas que o ofereciam, que ele gostava de desenhar e sempre esboçava gatos pretos. Reparou também que os dedos de Jeongin eram finos e que eles nunca sabiam o porquê ele sempre estava na beirada da ponte, sentado no mesmo lugar observando os próprios pés.

Mas também reparou em Hyunjin. Óbvio que reparou em Hyunjin: Um menino extrovertido com cabelos médios na cor castanho escuro, estatura alta e sempre animado. Aparência angelical, claramente abençoado por Afrodite, deusa do amor e da beleza. Hyunjin era lindo como as pinturas de Van Gogh, como as noites estreladas que conhecia e passava quase todos os dias admirando de baixo. Seus olhos escuros como o miolo de um girassol e os lábios vermelhos como o sangue que Seungmin já havia notado algumas vezes na pia do banheiro.

"Estamos todos morrendo, Seungmin" Hyunjin pensou enquanto terminava de comer sua pequena refeição composta de dois ovos mexidos e algumas fatias de pão com geleia.

— Eu já reparei nele, Seungmin. O Jeongin tá em perigo, eu sei que tá, eu tenho muito medo de chegar lá na ponte um dia e a gente perceber que ele não tá mais ali. E se ele se matar? Você disse isso nos primeiros dias, e eu nunca levei na brincadeira! — Hyunjin suspirou.

Seungmin não respondeu nada. Claramente estava super desconfortável com toda a falação, sabia que, se explodisse, ia falar tudo que pensa. A força com que mordia os próprios lábios era evidente e certamente deixaria marcas depois. Hyunjin não percebia que era hora de parar de falar. Nunca percebeu.

— Você não vai dizer nada? Sério?! Seungmin, para de fingir que não me escuta! — Hyunjin levantou do chão — Os pulsos dele são todos cortados!

Seungmin o encarou.

Estava prestes a explodir.

— Igual suas coxas? — indagou.

O garoto na ponte. | 3inOnde histórias criam vida. Descubra agora