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A xícara de café estava ainda bem quente em suas mãos quando ouviu os primeiros passos de Chan vindo da escada de manhã. Você suspirou baixinho enquanto apertava ainda mais a xícara e olhou atentamente a minúscula formiga que andava pela mesa de forma despreocupada, provavelmente procurando por algo. Sua mesa estava limpa, de qualquer forma.
Os passos, que antes ainda estavam meio longe, logo não demorou para ficarem mais altos a medida que se aproximava da cozinha. Nesse tempo, você ainda não tinha levantado os olhos para encara-lo.
Você disse em um tom de voz baixo que o café estava em cima da bancada. Chan murmurou um breve agradecimento.
Os barulhos de coisas se mexendo indicava que ele já estava preparando as coisas para tomar. Novamente, você suspirou. Aquele recinto parecia estar cada vez mais pequeno e desconfortável. Os pensamentos do que aconteceu de madrugada ainda rodavam por sua mente, mal conseguindo pregar os olhos durante o resto da noite. Tinha certeza que havia olheiras enormes em seu rosto.
"O café está ótimo."
A voz de Chan fez você se assustar e virar minimamente para ele. O mesmo rapaz estava agora bebericando o líquido quente, com um meio sorriso no rosto. Você agradeceu, se virando novamente para ficar de costas.
"Pensei que não gostasse de café."
"Eu até gosto quando você quem faz. E por quê me ofereceu se sabe que não gosto?"
"Isso se chama educação e você aceitou de qualquer forma."
Chan riu um pouco, acenando com a cabeça e tomando mais um gole.
"Eu acho que precisamos conversar." disse ele.
"Não temos nada para conversar. Você bebeu além da conta e está tudo bem, qualquer um pode passar por isso."
"Eu posso ter bebido, mas eu lembro de tudo o que falei. Pode parar de agir como se fosse só o fato de estar alto."
"Tudo bem, o quê quer que eu diga?"
Chan pareceu pensar um pouco antes de seguir em sua direção, dessa vez se sentando em sua frente. Você imediatamente desviou o olhar.
"Por favor, princesa." o apelido que ele sempre te chamava pareceu ter um peso bem maior naquele momento. "Vamos fingir que nada aconteceu? Eu te beij-"
"Você estava bêbado, Christopher."
"Sim, eu estava, mas o que falei foi verdade e o beijo..."
"Aquele beijo foi um erro!"
"Um erro?"
Você não queria magoa-lo. Você preferia bater em sí mesma do que fazer algo desse tipo com Chan, seu melhor amigo e a pessoa mais amável que já conheceu. Porém, aquilo tudo era tão louco. Em uma madrugada você estava ajudando seu amigo que estava alto, em um outro ele estava te beijando e dizendo que te amava e ainda outro momento que estavam agora de frente um para o outro, tentando conversar sobre aquilo como pessoas maduras e falhando miseravelmente. Tudo aquilo estava mexendo com sua cabeça e acreditava que estava igualmente para ele também.
Estava sendo uma merda e era só o começo do dia.
Você engoliu em seco, tomando mais um gole de seu café. O silêncio parecia ensurdecedor e as paredes da cozinha pareciam estar a sufocando novamente. Queria sair dalí, tinha que sair dali. Poderiam conversar sobre aquilo mais tarde, com um pouco mais de calma. Era o melhor a se fazer.
"Eu preciso ir..."
"Me perdoa." Chan interrompeu sua fala.
Suas mãos pareciam estar um pouco trêmulas e, por mais que odiasse tanto esse fato, pôde visualizar um Chan totalmente tenso e com um bolo em sua garganta. Você o conhecia como a palma de sua mão e conhecia perceber o que estava acontecendo.
Chan estava se controlando para não chorar em sua frente.
"Foi realmente um erro." continuou ele. "Eu não deveria ter te falado aquelas coisas e, muito menos, ter te beijado. Eu sinto muito por isso."
"Channie..."
"E me perdoa por sentir essas malditas coisas, mas não consigo controlar isso. De qualquer forma estraguei tudo, não é?"
"Você não estragou nada e para de pensar essas coisas, odeio te ver desse jeito."
"Eu acho melhor ir embora. Você tem que sair também, então..."
"Quer, por favor, me ouvir?"
Chan pareceu querer falar alguma coisa, mas se calou ao ver sua expressão. Respirando fundo, ele se ajeitou na cadeira em sua frente e começou a mexer em sua xícara, numa tentativa de se acalmar. Você teve que contar até dez em sua mente para poder prosseguir.
"Olha, você não estragou nada. Quer dizer, eu fiquei meio... nervosa, eu acho... eu só não sei o que pensar. Em um momento nós eramos melhores amigos e no outro nós estamos nos beijando."
"Éramos?"
"Bom, ainda somos, eu acho. É só que não sei como vamos seguir daqui."
Chan pareceu engasgar.
Por mais que ele tentasse esconder, havia um certo pânico em seu olhar. Você sabia que, antes de mais nada, você era a melhor amiga de Chan. Assim como ele era seu melhor amigo. De uma certa forma, era horrível para ambos pensar que a amizade poderia ficar abalada por conta do ocorrido.
Quando tudo se tornou tão difícil?
"Eu não quero que você se afaste." disse Chan. "Eu não quero isso. Não quero ter você longe de mim. Mas eu entendo se não quiser me ver durante um tempo para... pensar em tudo isso. Se você quiser dessa forma."
"Não, não precisa disso."
"Mesmo?"
"Sim. Mas eu... posso te perguntar uma coisa?"
"Claro."
Você deu uma pausa, respirando fundo algumas vezes para ter coragem de continuar.
"Quanto tempo? Quanto tempo você gosta de mim dessa forma?"
"Alguns meses. Eu demorei para perceber que o que eu sentia era amor, mas quando me dei conta do que estava acontecendo comigo, eu tive certeza."
"Talvez você mesmo esteja confuso quanto ao que sente."
"Sinto muito, mas eu não estou confuso."
"E como tem certeza disso? Caraca, você falou que estava apaixonado por mim. Por MIM."
"Eu não estou entendendo."
"Qual é, você tem mulheres que te conhecem e que gostam de você. De todas elas, por quê logo me escolher? Então, você está muito confuso ou está brincando comigo."
"Acha que estou brincando contigo?"
"Eu não sei."
Poucas vezes na vida você viu Chan irritado.
Claro que acontecia, ele era um ser humano e sentia essas emoções. Porém, quando acontecia, Chan sempre tentava esconder de alguma forma. Sendo indo para o estúdio, mecher no celular e um pouco mais afastado de todos, ir para seu próprio quarto ou ficar cantando baixinho até mesmo te procurando para poder fazê-lo companhia. De alguma forma que não entendia, sabia que você conseguia acalma-lo, mesmo não fazendo nada demais.
Porém, ver ele parecendo no seu limite e prestes a explodir era uma coisa nova para você.
Isso estava começando a te assustar um pouco.
"Eu vou tomar um pouco de ar." disse Chan, já se levantando.
Você iria falar mais, mas ele somente te olhou e negou com a cabeça, indo em passos rápidos para a porta da frente.
