Uno.

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— Eles falam como se só tivesse você de piloto aqui.

Scott suspirou ao ponto que Jinki revirava os olhos. Estavam na sede da equipe, em Maranello, na Itália, ouvindo e assistindo um podcast bastante famoso no mundo da Fórmula 1. O piloto ergueu o controle para desligar a televisão e cruzou os braços sobre o peito. A camisa vermelha com detalhes pretos, além de seu número, nome e assinatura nas costas, era folgada o suficiente para não se incomodar com a posição.

— Só devem estar empolgados com a minha volta.

Embora aquela desculpa não colasse para Jinki — e sinceramente nem Scott acreditava —, ela decidiu que não valia a pena perder a cabeça com aquilo. A mulher, por sua vez, usava uma versão polo da camisa do time, completamente preta e apenas com a logo amarela com o cavalo no lado esquerdo do peito.

Jinki e Scott eram amigos desde pequenos. Competiam juntos no kart, entraram juntos na Fórmula 4, iniciaram naquele mundo de mãos dadas e jamais soltariam um ao outro. Claro que ela demorou alguns anos para subir para a Fórmula 1 e se juntar a Scott pelo simples motivo de ser negra e mulher, e Scott tinha certeza que se não fosse pelas suas diversas indicações sobre a garota, ela não teria subido tão cedo. Ainda assim, demoraram dois anos para correrem na mesma equipe, e carregar o título de "piloto da Ferrari" era certamente um mérito para ambos, mas era igualmente exaustivo.

Se a Ferrari era ou não a melhor equipe era algo muito particular de cada um, mas era impossível negar que era a maior equipe num contexto histórico. É comum que seja o primeiro nome a vir à cabeça das pessoas quando elas pensam no esporte. É o coração da Fórmula 1, tem um nome gigantesco e a cobrança é ainda mais absurda — mas esse não é totalmente particular de Ferrari. Qualquer equipe vai extrair tudo de seus pilotos, sempre, e se não obterem os resultados que eles querem, eles vão substituir. Simples, rápido, sem aviso, sem preparação, sem se importar.

— São machistas, isso sim. — Jinki se ergueu da poltrona e caminhou até o frigobar do lugar. Ela ergueu um copo de água plástico de alguma marca italiana e removeu o lacre sem pressa.

— Não liga pra eles, se estamos em terceiro lugar é certamente pelos seus esforços até agora. Se eu não voltasse, você levaria a Ferrari para o topo com a Cherry, sem dúvidas.

— Ela é muito boa, por sinal. Deveriam colocar ela no seu lugar. — Jinki deu um gole na água com um sorriso brincalhão e Scott fez careta.

Cherry era a piloto reserva da Ferrari e esteve dirigindo no lugar de Scott. A ruiva nunca teve muito tempo de tela entre os fãs e foi gratificante ver ela ser tão bem recebida. Bom, claro, a Fórmula 1 ainda era a Fórmula 1 e é claro que haveriam "fãs" para ridiculizar a entrada de mais uma mulher na equipe — mesmo que temporariamente — e fazerem comentários terríveis sobre ela. Felizmente, Cherry era alguém muito focada e principalmente segura de si para se deixar levar com aquela parte chatinha do mundo.

— Vou me lembrar de quebrar o braço mais vezes para ela dirigir.

Scott sempre sentiu a pressão de dirigir para uma equipe com aquelas proporções, e estar de volta depois de tanto tempo fora de um carro de corrida o deixava, no mínimo, ansioso. Era como se estivesse voltando ao seu primeiro ano na equipe. Scott tinha desempenhos incríveis na Fórmula 2, era um mestre naqueles traçados e impressionava até mesmo nos dias de chuva, mas a Fórmula 1 era outro mundo. Haviam muito mais pessoas para o assistir, muito mais pessoas para impressionar e superar expectativas. Ele viu aquela narrativa de "garoto de ouro" se formar em cima dele durante os anos, era jovem, o prodígio da Aston Martin, e quando seu contrato de dois anos estava expirando e soube que a Ferrari estava de olho em si, ele entendeu onde estava se metendo.

Seria uma mentira tremenda dizer que a Ferrari não era sua equipe favorita desde que começou no kart. Por diversos motivos profundos, mas daremos uma menção honrosa ao quão bem ele ficava de vermelho — não era atoa a tonalidade de seus cabelos.

— Prontos pra gravar? — uma voz masculina surgiu na sala com a pergunta num italiano bem puxado. Os pilotos se entreolharam antes de concordar. — E Jinki, coloque a camisa certa.

Aquele era um dos diversos momentos em que iriam gravar algum tipo de desafio e entreter os fãs. Scott só descobriu na hora de qual se tratava: basicamente, teriam que adivinhar a pista através do som do carro. Apesar de ser muito bom naquilo, foi surpreendente como ele perdeu de 2 a 5 para sua companheira de equipe. Ficar afastado por tanto tempo realmente tinha suas desvantagens, e quem diria que descobriria isso em um challenge de YouTube. No entanto, os dois se divertiram como as verdadeiras crianças competitivas que eram e com certeza renderam cortes iconicos daquele vídeo, principalmente quando ficaram extremamente confusos e perdidos com a pista de Interlagos, o que era irônico visto que eles eram brasileiros. Jinki caiu na risada quando se tocou disso.

Scott havia sentido falta daquilo, de Jinki e do clima leve que ela carregava consigo. O fazia quase esquecer de como brigavam em pista de vez em quando. Aquilo era definitivamente algo muito comentado no Twitter, sempre via pessoas revivendo gravações de fãs onde eles apareciam tomados por um clima tenso entre eles, principalmente no GP do México do ano passado, onde Jinki recebeu uma ordem direta para deixar Scott passar e ignorou. Os pontos eram importantes para ele que estava disputando o campeonato na época, mas os fãs sempre aumentavam tudo na internet, o que o rendeu diversas noites no quarto de hotel de Jinki para acalmar a garota durante as crises de choro. Ele chegou a ter que se pronunciar dizendo para pararem de xingar a piloto pelo ocorrido e não media palavras nas entrevistas com as diversas indiretas — super diretas, por sinal — que soltava. Jinki era sua melhor amiga acima de tudo, acima das pistas e de uma tabela com nomes e posições, era a irmã que nunca teve, mas que o automobilismo o trouxe, e Scott não iria perder isso.

Em breve teriam o GP do Canadá e Scott se sentia eufórico para voltar para as pistas. Era bom ter os dois braços funcionais de novo, também. Sentia-se novinho em folha e a cada noite que passava se preparava mentalmente para toda a pressão que tomaria conta de si a partir do momento que ele entrasse naquele autódromo. Estaria oficialmente de volta ao mundinho que tanto amava, cercado por pessoas que tanto respeitava e admirava e em contato quase que direto com aquele mar de fãs nas arquibancadas.

Foi pensando nisso que Scott adormeceu aquele dia.

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