CAPÍTULO 1

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Lucy

O barulho dos pássaros voando no céu. A textura irregular da grama que fazia cócegas na palma da minha mão. O calor dos raios de sol, típicos da primavera no acampamento. Eu listava mentalmente todas as coisas boas pelas quais eu era grata, um conselho que meu irmão havia dado para mim.

Mas logo tudo voltava à tona. A morte de meu pai, há quase três anos. A perda do nosso apartamento porque eu não podia bancá-lo sozinha. O vazio em meu peito. O sumiço do meu irmão. A letargia que vinha do desespero de se encontrar mais uma vez sozinha.

Fecho novamente meus olhos e respiro fundo. Meu coração palpita mais uma vez e refaço essa lista inútil.

“-- Pelo o quê você é grata hoje, Lucy in the sky? - Meu irmão disse no beliche acima do meu.

– De onde você tirou essa nova filosofia hippie, Nick? - Eu ri baixinho porque não queria acordar o resto do chalé.

– Li em um livro que estava na biblioteca do papai, era de auto-ajuda ou algo assim. De qualquer maneira, acho que é importante falarmos pelo o quê somos gratos, já tem tanto caos nas nossas vidas… - Ele murmura. 

Ficamos em silêncio por um tempo. 

– Sou grata por ter você como irmão, Nick. - Suspiro. Apesar da escuridão, sei que meu irmão sorri.”

As memórias com Nick são revividas em minha mente em um loop sem fim. Sinto as lágrimas transbordarem meus olhos e, ao fundo, ouço a voz de Annabeth me chamando. Sento rapidamente na grama, ajeito meu cabelo que estava completamente bagunçado e limpo o choro. Vejo uma silhueta alta ao longe e posso ver seu cabelo loiro reluzir ao sol. Annabeth é a minha amiga mais antiga. Quando cheguei ao Acampamento Meio-Sangue, descabelada, suja e ferida, Annabeth foi quem me acolheu nessa nova vida. Somos amigas desde então, uma auxiliando a outra.

– Achei que estaria aqui. Quíron está te chamando na Casa Grande, todos os conselheiros devem ir. - Annie disse ao me encontrar. Ela usava a típica camiseta laranja do acampamento e o shorts de lavagem clara que dei a ela em seu aniversário de quinze anos. 

– Sabe do que se trata? - Perguntei levantando da campina. Limpei as mãos na minha jeans surrada e me espreguicei. Ultimamente Quíron convocava inúmeras reuniões do conselho, mas preferia ficar alheia ao que se passava. O caos na minha mente já era o suficiente para tirar meu sono e, nas raras vezes em que dormia, meus sonhos eram invadidos por lugares e pessoas estranhas que nunca tinha visto.

– Não tenho ideia do possa ser…semana passada Dylan voltou de uma missão de reconhecimento, mas está tudo certo. Não acho que possa ter a ver com a reunião de hoje. - Annabeth rebateu pensativa. – Se bem que…

– Ouviu algo?

– Não ouvi, acho que vi. - Disse ela. – Ontem à noite quando estava saindo do chalé do Percy…Ah cale a boca! - Annabeth disse envergonhada.

– Eu não disse nada! - Ri.

– Ontem à noite eu vi duas pessoas entrando na Casa Grande. Uma delas era bem alta, mas não consegui ver os rostos.

– Algum deus talvez? - Refleti. – Bom, teremos que descobrir.

Caminhamos juntas na volta, jogando conversa fora. Eu sabia que minha amiga queria me perguntar o porquê de eu estar novamente naquela campina, apesar de já saber a resposta, mas Annabeth nunca me forçaria a dizer algo que não estivesse pronta para falar.

Apesar de Nick ter sumido há quase um ano e inúmeras buscas terem sido feitas, não tivemos nenhuma notícia do paradeiro dele. Cheguei a, inclusive, ir ao Mundo Inferior com Nico procurá-lo. Minha mente me dizia que ele continuava vivo, em algum lugar, mas meu coração sofria o seu luto.

– Vai indo na frente Annie, preciso dar uma passada rápida no chalé. - Disse para ela desviando do caminho e indo para o meu chalé. - Avise o Quíron que chego em dez minutos. 

O chalé 20 era destinado aos filhos de Hécate, minha mãe. Éramos em cinco no momento - seis, se contarmos com Nick - e eu era a conselheira-chefe já que estava há mais tempo do que todos. Construído com pedras coloridas e gravadas com runas, nosso chalé tinha teto alto e feitiços que permitiam sua expansão. Meu quarto no acampamento ficava à direita e tinha meu nome gravado na porta; paredes lilás e o teto pintado com estrelas, - cortesia de Rachel - uma cama de casal no meio e cômoda no canto esquerdo. A parede direita do meu quarto era abarrotada de livros e grimórios, além de uma poltrona para leitura. Eu costumava ser uma ávida estudante dos feitiços, mas não abria um livro sequer há um bom tempo. 

Tirei meu jeans sujo de grama e a camiseta amassada e troquei por um conjunto de roupas mais apresentável e limpo. Não era o momento de ser vaidosa, que me perdoe Afrodite. Calcei meus tênis e soltei o cabelo, passando a mão pelas ondas para tentar abaixar o frizz. Encarei momentaneamente os dois braceletes que usava nos pulsos: presentes de minha mãe, se transformavam em dois pugios, punhais gregos que eu utilizava como arma. Suspirei e saí do chalé rumo à Casa Grande.

No breve caminho até a sede, senti meu coração palpitar. Sendo também uma descendente de Apolo - meu pai era filho do deus do sol - eu tinha um sexto sentido aflorado para previsões do futuro. Às vezes vinham em forma de sonhos, às vezes eram sensações no decorrer do dia. Agora, era uma dessas vezes. Sentia que não tinha mais volta, que o que quer que estivesse aguardando na Casa Grande iria transformar meu mundo sem volta. Suspirei mais uma vez e entrei na nossa sala de reuniões - a copa da sede que ora era palco de competições de baralho entre Quíron e Dionísio, ora era nossa sala de guerra.

– Me desculpem a demora, perdi a noção do tempo. - Disse enquanto fechava a porta. Me virei de frente para o conselho reunido e estagnei quando vi um par de olhos violetas. Aqueles olhos violetas, os mesmos com o qual eu havia sonhado a minha vida inteira.

⭐️ Violet Eyes ⭐️- RhysandOnde histórias criam vida. Descubra agora