Capítulo 2

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                               ROSALIA

 Era incrível o poder de um trauma dentro do cérebro humano. Não importa o qual resistente é o material da sua armadura, a situação desintegra qualquer resquício de força. 

 Eu acabei esquecendo de mim mesma dentro da tensão que meus músculos prendiam e meu estômago doía pela fome, que esqueci de lembrar que precisava matar. Eu tinha alguns sentimentos soberanos que faziam-me esquecer que estava viva de verdade, que precisava estar viva para matar.  

 Passei pela prateleira do último corredor, conferindo no reflexo do freezer de bebidas o vendedor olhando para a tela de um celular enquanto mascava um chiclete de forma barulhenta. Meus dedos se esgueirando na direção da prateleira, puxei um pacote de amendoim coberto de cereja para dentro do bolso do moletom. Minhas últimas notas foram para a gasolina, que não duraria mais de um semana, e essa semana seguraria o vencimento do aluguel do carro. 

 Eu quase nunca saberia imaginar o que aconteceria após, mas eu estava cavando um buraco muito profundo na hierarquia das famílias mais poderosas do país inteiro. Não tinha arrependimento e nem remorsos sobre meus próximos passos contra eles. Alguém precisava lhes dizer que dinheiro e poder não comprava coragem. 

 Inclinei mais a cabeça para dentro do capuz escuro e escorreguei para fora do estabelecimento. Não era a primeira vez que eu pegava algo que não era meu para ter o mínimo, mas a falta de fôlego era a mesma que senti quando tinha quatorze anos e meu moletom foi sacudido no chão enquanto eu brigava no agarre do dono do estabelecimento, duas barras de cereais e uma embalagem de absorventes sinalizaram minha humilhação.

 A questão, era que eu não era mais uma garotinha incapaz de carregar o mundo nas costas pela falta de força. Eu tinha força para conseguir o que quisesse com um emprego digno, e esse havia se tornado o ponto principal do meu luto. Quando quase não se consegue levantar, não há energia para lutar. Eu estava destruída pela vida, pela perda, e a culpa era minha. 

 Haviam muitos momentos que eu gostaria de desaparecer, apenas para não sentir nada, queria ser uma partícula inútil de poeira que não decepcionaria à si própria.

 Apenas soltei a respiração quando encostei as costas no banco do meu mais novo carro alugado, logo eu ficaria sem ele também. Dirigi pelas ruas enquanto devorava o pacote inteiro de amendoim em segundos. 

 Eu gostaria de ter outro pensamento, mas tudo que prendia minha atenção era a vingança. Estacionei o carro à três quarteirões do meu destino. Era a quinta vez que eu estacionava naquele lugar, ninguém costumava frequentar aquele lado da rua, ninguém além de um homem barbudo que fazia sua corrida atlética por volta das seis horas da tarde. 

 A linha telefônica quase não era auditiva dentro do carro quando minha concentração mirava o maior prédio do bairro, estava posicionado em uma distância segura mas era assustadoramente alto para preencher o campo de vista de quem observar por baixo.

— Rosalia? — minha irmã respondeu do outro lado da ligação.

— Pensou na minha proposta? 

 Uma respiração pesada agitou-se do outro lado da linha. 

— Rosa, seja lá o que esteja aprontando... não quero que me envolva de novo. — Rita respondeu — Essas coisas não terminam bem, e você sabe. Eu recomendo que volte para a terapia, pegue uma receita e volte para seus comprimidos... Eles são os únicos capazes de controlar seus sentimentos. 

 Eu sabia do que ela estava falando, e aquela era uma batalha que eu havia vencido à tantos anos que sua lembrança era questão de repugnância.

— Você não deveria estar me incentivando à voltar para os remédios... — eu disse devagar.

Chasing - Madden Mori Onde histórias criam vida. Descubra agora