alerta: bifobia e lesbofobia
— MÃE. Eu sou...
Aperto a beirada da pia com mais força, encarando meu reflexo no espelho.
Vamo lá AJ, você consegue. É só falar a palavra com L, você adora essa palavra, ela tem um dos seus gostos favoritos e você escreve pelo menos quinze tuites por dia com ela.
Respiro fundo, engolindo em seco e tendo de novo.
Abro a boca, mas nenhum som sai, então reformulo o discurso e recomeço:
— Mãe, tem uma coisa que eu quero compartilhar com a senhora já faz um tempo. Lembra daquela vez, quando eu tinha sete anos e disse que nunca ia namorar um garoto? Então, acontece que...
Me interrompo, insatisfeita e solto um suspiro pesado.
Impossível. Não consigo.
Como pode eu ter acordado toda animada achando que hoje ia ser o grande dia e amarelar segundos antes? Pra onde que foi a confiança? A impaciência para acabar com as piadas bobas sobre como eu e meu melhor amigo parecemos um casal fofo.
É comum pra mim ficar divagando sobre me assumir, mas desde que fui no Caverna com Eleanor o tema tem estado na minha cabeça praticamente todos os dias. Fantasias sobre pra quem contar, possíveis desfechos e coisas assim.
Talvez minha mãe fique sem reação? Sim, mas ela também pode agir de forma positiva! Será que eu devo contar a ela e ao papai ao mesmo tempo pra facilitar?
Bom, não adianta fazer planos se eu nem consigo falar o nome da minha sexualidade em voz alta. Foi tão fácil naquele dia com Eleanor... Será que é porque eu estava meio bêbada?
Aponto para a outra eu no espelho e digo:
— Você é muito lésbica, lésbica pra caramba. Você consegue AJ, é só ir até a cozinha e falar a verdade. — me incentivo, sussurrando. Talvez quem sabe um pouco mais alto, pra acostumar. — Mãe, eu sou lesbi-
Alguém bate na porta repetidas vezes me dando um baita susto.
— Inferno! — resmungo, irritada. — Que foi?!
— Eu tô atrasada Ana! Agiliza aí!
Reviro os olhos ao ouvir a voz da minha irmã mais velha.
Pego a escova às pressas e coloco um pouco de pasta de dente, depois viro a chave e abro a porta, ela nem espera e me empurra, entrando no banheiro minúsculo.
— Que desgraça cê tava fazendo nesse banheiro pra demorar tanto? — pergunta Alice, me olhando feio.
O que sempre me desestabiliza porque somos muito parecidas, o mesmo cabelo de cachos abertos, o mesmo tom escuro de pele, o nariz redondo, meio achatado e os lábios cheios. Só que ela tem olheiras mais fundas por conta das horas extras acordada estudando e um piercing no lábio inferior que quase matou a mãe do coração.
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Arco-íris Cor de Rosa
Ficção AdolescenteAJ sempre se sentiu como uma coadjuvante na própria vida, ou quem sabe apenas uma telespectadora que vê todas as cenas passando em câmera lenta, sem poder alterar o script. No seu último ano do ensino médio - iniciado com o pé esquerdo após uma grip...